sexta-feira, 27 de julho de 2012

A prisão da alma



"A beleza não está somente nas flores do jardim, mas, antes de tudo, nos olhos de quem os admira." (Hammed)

Como disse Jean Paul Sartre, somos seres livres, porém condenados à liberdade. A filosofia de Sartre diz que somos responsáveis por tudo que acontece na nossa vida, seja bom ou ruim, inclusive pelo o que podemos ou não fazer com o que acontece no nosso “Universo Particular”. Ou seja, temos em nossas mãos a escolha de alimentar ou não uma emoção; e podemos fazer isso por meio do pensamento, de atitudes. Disciplinar o pensamento é uma tarefa nada fácil, exige treino, muito treino.
Lutamos tanto pela liberdade, queremos tanto ser livres e achamos que isso tudo está, exclusivamente, vinculado ao mundo externo, ou seja, a tudo que está fora de nós. Doce e cômoda ilusão.
Só nos sentiremos livres de fato, quando conseguirmos entender, compreender e conhecer nosso “Universo Particular”, quando sairmos de dentro da caverna e, assim nos libertarmos do nosso lado mais primitivo e parar de viver apenas com aquele lado do cérebro que nos acompanha a mais ou menos 250 milhões de anos - o Arqueocortex. Em grandes linhas o arqueocortex dirige o nosso ser antigo, aquele que se mantém ainda nos moldes do Ser irracional, aquele que se move e age por instintos. Quando usamos o cérebro antigo nos colocamos mais próximos dos animais, não pensamos. Nele está os sentimentos como o ódio, o rancor, os medos, a mágoa, a raiva.
Em pleno século XXI continuamos presos ao nosso animal selvagem, instintivo, irracional. Um exemplo disso é quando ficamos presos aos medos. O medo é uma emoção importante sim para nossa proteção, no entanto os medos que criamos nos mantêm estagnados e prisioneiros. Como disse Joseph O’Connor, no seu livro Liberte-se dos medos, todos nós desejamos a libertação emocional – viver a vida livre dos medos indesejáveis. O medo primário, necessário para a nossa proteção sempre estará lá, porém vivemos uma vida dentro do medo: medo do risco, medo do fracasso, medo da autoridade, medo da perda, medo de nos relacionarmos, medo de nos olharmos, e com isso vivemos limitados e infelizes.
No seu livro As dores da Alma, Francisco do Espírito Santo Neto diz que por medo de sermos visto como somos ficamos limitados a um nível superficial. Presumimos que o “não ver” resulta em “não ter”. Em verdade, não nos livramos da nossa “sombra” simplesmente porque fechamos os olhos para ela, mesmo assim ela continuará a existir. A “Sombra” é um conceito junguiano para designar a soma dos lados rejeitados da realidade que não queremos admitir ou ver em nós mesmos, permanecendo, portanto, esquecidos nas profundezas da intimidade. Tudo que ignoramos geram mais medo do que as conhecidas.
Ele ainda diz que as manifestações decorrentes de nossa “sombra” são projetadas por nós mesmos de forma anônima no mundo, sob o pretexto de que somos vítimas, porque temos medo de descobrir em nós a verdadeira fonte dos males que nos alcançam no nosso dia-a-dia. Por acreditar que banimos de nossa intimidade determinado princípio que nos gerava medo e baixa estima, é que fatalmente encontraremos, logo em seguida, esse mesmo princípio materializando-se no mundo exterior, amedrontando-nos e causando-nos desconforto. Por exemplo, os chamados tiques nervosos nada mais são do que impulsos compulsivos de atos ou a contração repetitiva de certos músculos, desenvolvida de forma inconsciente, para não tomarmos consciência dos conteúdos emocionais que reprimimos em nossa “sombra”. Criamos esses tiques para aliviar emoções e para conter sentimentos emergentes. A técnica funciona assim: enquanto nos distraímos com o tique, não deixamos vir à consciência o que reprimimos, por considerá-lo “feio ou pecaminoso”. O resultado do medo em nossas vidas será a perda do nosso poder de pensar e agir com espontaneidade.
Se focarmos nosso olhar para o que existe de ruim no mundo estaremos enfatizando, para nós mesmos, o que queremos que a vida nos mostre e nos forneça. É a nossa mente que comanda. E somos nós que alimentamos nossa alma com que o que vivemos, pensamos e sentimos. Quanto mais pensarmos e voltarmos nossa atenção para os desastres, calamidades, erros que acontecem e que também cometemos, mais teremos a percepção de que o mundo está limitado à nossa particular maneira pessimista de ver e sentir.
Presos a desconfiança, ao receio, criamos resistências, obstáculos e tropeços que nos impedem de avançar. Passamos, então, a não viver, a não pensar, a não refletir, não questionar.
Como disse Francisco do Espírito Santo Neto, não seríamos afetados por nenhum acontecimento de maneira desgastante, se estivéssemos centrados em nós mesmos. Devemos aprender a focalizar e desfocalizar nossas crises, traumas, medos, perdas e dificuldades, bem como os acontecimentos desastrosos do cotidiano, dando-lhes a devida importância e regulando o tempo necessário, a fim de analisá-los proveitosamente. Assim, teremos metas sempre adequadas e seguras que favorecerão nosso desenvolvimento espiritual. Somente quando nos conhecermos e nos libertarmos dos medos que alimentamos, criamos e guardamos dentro de nós que conheceremos nossa alma e voaremos leve, livres e felizes.

terça-feira, 24 de julho de 2012

O inevitável encontro consigo mesmo



É difícil assumir que as escolhas são nossas, que o problema não é o outro e sim nós mesmos. Temos que ter em mente que amar alguém não se aprende nos livros, não existe fórmula, não vem no nosso DNA, não se nasce sabendo, se aprende no dia-a-dia, (con)vivendo, errando, acertando e, principalmente, se amando.
Temos medo de entrar no nosso “Universo Particular”, temos medo de nos questionarmos, de analisar por que agimos ou reagimos de uma forma agressiva ou até mesmo indiferente. E se as perguntas já causam medo, imagine as respostas. Sendo assim, não fazemos nenhuma coisa e nem outra; e continuamos superficiais e vítimas do mundo. Se não estivermos dispostos a usar nosso potencial cerebral para sermos mais do que “papagaios de TV”, nada vai mudar. Muitos problemas que enxergamos nos outros estão na nossa incapacidade de reconhecer que também somos assim.
            Como disse Augusto Cury, se o Eu da própria pessoa não tiver consciência da necessidade de mudança e não atuar como autor de sua história, todo esforço do mais hábil psiquiatra ou psicólogo, terapeuta ou até das pessoas próximas será completamente impotente diante de um EU inativo, que não utiliza seu potencial de questionamento, reflexão e de querer ser mais.
            Trabalhamos incansavelmente para criar uma fachada, máscaras, uma persona, para que ninguém descubra nossos desejos mais obscuros, nossos pensamentos mais sombrios, impulsos e histórico pessoal. É neste esconde-esconde nos perdemos na nossa própria escuridão. Só que ao mesmo tempo, como disse Debbie Ford no livro Efeito Sombra, nossa persona nos convence de que não há nada que desconheçamos a nosso respeito – de que somos de fato, a pessoa que vemos no espelho e acreditamos ser. No entanto, uma vez que compramos a história de “esse é quem sou”, fechamos a porta para qualquer outra possibilidade e negamos a nós mesmos tudo o que poderíamos ser. Perdemos a liberdade de ser quem, de fato, queremos ser porque não conseguimos fazer nada fora do âmbito da personalidade que estamos encenando. A persona previsível que construímos agora está no controle. Tornamo-nos cegos às imensas possibilidades de nossa vida. Somente quando pararmos de fingir ser o que não somos – quando já não sentimos a necessidade de esconder ou compensar por nossa fraqueza ou nossos talentos – conheceremos a liberdade de expressar o verdadeiro Eu, tendo habilidade para escolher com base na vida que verdadeiramente desejamos viver. Quando rompemos esse transe e já não nos preocupamos se somos adequados, nem tememos o que as pessoas pensam de nós, podemos nos abrir e aproveitar as oportunidades que poderiam passar despercebidas quando estamos encurralados em nossa história, por trás de nossa máscara, em nossa escuridão.           
Debbie Ford disse que sem perceber, nos posicionamos para provar que somos mais, melhores ou diferentes que o restante, ou tentamos ficar invisíveis para nos adequar sem chamar atenção, chegando até a própria anulação. Esforçamo-nos para criar a persona que acreditamos que nos trará a aprovação e o reconhecimento que desesperadamente precisamos ou, de modo alternativo, nos dê uma desculpa para não viver na íntegra uma vida que amamos. E vamos nos desconfigurando, nos fragmentando, rompendo com nosso Eu, até que um dia a casa cai.
Para que possamos estar em constante contato conosco precisamos exercitar a filosofia - a pensar, a duvidar das nossas crenças, a criticar de forma construtiva nossos comportamentos e construir uma visão positiva de nós mesmo e uma vida que esteja pertinente aos nossos desejos, pensamentos e sentimentos. A mudança é uma prova de amor para o nosso Eu. É o reconhecimento de que podemos mais, de que somos mais e de que merecemos mais. 

domingo, 22 de julho de 2012

O equilíbrio entre perder e ganhar




A vida é feita de escolhas. Quando você dá um passo à frente, inevitavelmente alguma coisa fica para trás. Caio Fernando de Abreu



Diante das situações da vida temos em grandes linhas duas alternativas: continuar convivendo com o problema ou mudar. Embora, teoricamente, seja simples, na prática tomar decisões, fazer escolhas, ter que abrir mão de algo torna-se uma atitude complexa, onde temos que medir as consequência e pesar perdas e ganhos.
Mesmo sendo claro que ganharemos ao escolher determinado caminho, ou optar por algo que nos tirará de uma zona de conforto, nem sempre isso se torna um ponto positivo, visto que, a dor de perder o que conquistamos tem um peso maior. E não raro, vemos muitas pessoas infelizes, na zona de conforto, sem perceberem que estão infelizes, pois não sabem como é viver de outra maneira. O ponto de referência é aquele.
É muito comum encontrarmos casais que permanecem juntos sem nenhuma troca de carinho, distantes, vivendo debaixo do mesmo teto, porém em mundos diferentes. Nos adaptamos as situações – temos essa capacidade; ou nos enganamos fingindo que está tudo bem porque mudar vai ser muito trabalhoso e a perda será maior.
Na revista Mente e Cérebro, nº 179, Barry Schwartz, escreve sobre pesquisas feitas por Daniel Kahneman, professor da Universidade Princeton e Amos Tversky (1937-1996) para explicar os aspectos objetivos e subjetivos relacionados à tomada de decisão. Uma dessas pesquisas fala sobre a teoria da perspectiva que diz que a satisfação de alguém não aumenta na mesma proporção que a elevação dos ganhos resultantes de determinada escolha. Por exemplo, salvar 600 vidas não promove uma sensação três vezes maior do que salvar 200. Eles defendem que a maioria das pessoas é avessa a riscos que acarretam ganhos. Quando se trata de ocorrências negativas, como mortes, as mudanças no estado emocional das pessoas diminuem de forma similar, Isto é, não proporcional à piora objetiva das circunstâncias. Sendo assim, perder 600 vidas também não faz sofrer três vezes mais que perder 200, de modo que assumir o risco de não perder ninguém parece uma boa aposta. Este princípio faz com que as pessoas se sintam atraídas pelo risco que descreve perdas.
A teoria da perspectiva diz ainda que, a intensidade do sentimento negativo que alguém experimenta quando perde alguma coisa é maior que a do sentimento positivo gerado em relação ao ganho de magnitude semelhante. Ou seja, evitar perdas é mais motivador que conquistar ganhos. Essa pesquisa ajuda a entender muitas das nossas escolhas e a compreender algumas decisões tomadas pelos outros, que no momento, podem não ser compreensíveis. 
Porém, todas escolhas que fazemos faz parte de um momento, de um contexto e do nosso nível de amadurecimento e como disse Chico Xavier "embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim".

domingo, 15 de julho de 2012

Pelo olhar do outro que eu me vejo




O trabalho de autoconhecimento reflete no olhar para nós mesmos e para o mundo.
 Ana Paula Matos

Existe um longo caminho até a mudança, mesmo porque a compreensão racional não é como a compreensão emocional. Não é fácil mudar um comportamento, mesmo porque este comportamento vem carregado de sentimentos e emoções, está cheio de passado. Embora todos os dias, a todo o momento temos a oportunidade de escolher como será nosso agora, não é fácil mudar um comportamento. Mesmo esse comportamento nos gerando sentimentos indesejados.
Theo Roos, no seu livro Vitaminas Filosóficas diz que Nietzsche sempre foi de encontro aos comportamentos difíceis de ser alterados. Já é complicado reconhecer nossos comportamentos, imagine mudá-los! É uma ginástica, uma tensão, uma permanente intranquilidade. Esses comportamentos por estarem tão entranhados em nós, são difíceis de mudar, porém não são impossíveis. “O familiar”, escreve Nietzsche em A Gaia Ciência, “é o habitual; e o habitual é o mais difícil de conhecer, isto é, de ver como problema, como alheio, como distante, como exterior a nós”. E é pelo olhar do outro que eu me reconheço, é pelo outro que eu me vejo. Não estamos sozinhos e não conseguiremos sozinhos. Fazemos parte de um todo, somos o todo.
Segundo Deepak Chopra, no seu livro O Efeito Sombra, pode parecer estranho, mas os sentimentos têm sentimentos. Sendo parte de nós, eles sabem quando são indesejados. O medo coopera ao se esconder; a raiva coopera fingindo não existir e por aí vai. E como podemos fazer para lidar com sentimentos que permanecem e refletem no nosso comportamento ainda hoje, como resquícios de uma perda, de um acidente, de uma ruptura, de uma rejeição amorosa, de um fracasso escolar?
A agitação, a correria do nosso dia-a-dia, o crescimento desenfreado da nossa sociedade nos afetam diretamente. É difícil dar conta desse ritmo. E isso nos distancia mais ainda de nós mesmos. É até irônico pensar que a pessoa com quem convivemos todo tempo, com quem acordamos e dormimos juntos, muitas vezes é nosso maior desconhecido. Queremos ser bem sucedidos no mercado de trabalho, queremos ser donos do nosso nariz, conquistar uma posição de destaque social, fazer e acontecer no mundo, mas mal conseguimos reconhecer nossos sentimentos, mal sabemos quem somos, por que reagimos de tal forma, por que permitimos que determinadas situações se repitam.
            Investimos nosso tempo e dinheiro para buscar atualização sobre o mercado, sobre novas e melhores práticas de negócios, em melhorar nossas competências profissionais e não, investimos nem 1% de tempo e dinheiro para nos conhecermos, para saber quem é esta pessoa que está comigo 24 horas do dia.
Receber formação e treinamento é algo perfeitamente normal em outros campos, mas na administração e conhecimento do próprio Eu é proibido, é vergonhoso, afinal, ainda hoje não é difícil ouvir que terapia é coisa para louco, para quem tem problema, para quem não consegue se ajudar. O mundo mudou, pessoal!!! Olhar para si mesmo é para poucos. Somente os corajosos encaram esse encontro consigo e com o mundo. Precisamos nos conhecer, conhecer o outro, reconhecer nossos pontos fracos, potencializar nossos pontos fortes e para isso precisamos do olhar do outro - para sermos melhores, para nos desenvolvermos, para evoluirmos.
As escolas, assim como as empresas não se preocupam em formas pessoas que pensem, mas em formar pessoas que façam o que tem que ser feito sem questionar, sem muitas análises. Somos treinados para reproduzir, para replicar o que nos foi passado. Se pararmos para pensar o mundo a nossa volta faz questão de tampar nossos olhos para nós mesmos.
Podemos buscar o olhar do outro, em um amigo, nos nossos pais, nosso parceiro ou num profissional. O terapeuta também cumpre esse papel do outro, com suas técnicas, seus métodos e sua sensibilidade. Ele nos auxilia a enxergar nossos sentimentos e comportamentos, a articularmos nossa demanda, a constituirmos, a descobrirmos na nossa fala em relação à nossa história e extrair, a partir de certa sequência, uma mensagem em que poderá ser veiculado um sentido. Por meio da terapia, podemos encontrar “os por quês” para determinados comportamentos, sentimentos e emoções e, se for o caso mudar ou amenizá-los; aliviar as nossas dores e, contudo nos tornar pessoas melhores e orientadas para o nosso projeto de ser no mundo. Como disse Theo Roos, escavar a si mesmo é um processo demorado e nada simples, mas que nos trás o perdão e alívio para nossas culpas.