quarta-feira, 30 de novembro de 2011

“O acaso só favorece a mente preparada” — Louis Pasteur

Para entender um pouco mais a questão do acaso escolhi duas palavras que explicam o que, talvez, não tenha explicação. Essas palavras são Serendipity e Sincronicidade.
A palavra Serendipismo se origina da palavra inglesa Serendipity, criada pelo escritor britânico Horace Walpole em 1754, a partir do conto persa infantil Os três príncipes de Serendip. Esta história de Walpole conta as aventuras de três príncipes do Ceilão, atual Sri Lanka, que viviam fazendo descobertas inesperadas, cujos resultados eles não estavam procurando realmente. Graças à capacidade deles de observação e sagacidade, descobriam “acidentalmente” a solução para dilemas impensados. Esta característica tornava-os especiais e importantes, não apenas por terem um dom especial, mas por terem a mente aberta para as múltiplas possibilidades.
Conta-se também que Newton foi levado a descobrir a Lei da Gravitação Universal por uma queda fortuita de uma maçã, que se teria registrado mesmo à sua frente, numa tarde em que tomava chá no jardim. Pensando no motivo que levaria a maçã e ser atraída para a Terra, o físico inglês pensou que essa força de atração poderia ser a mesma que mantinha os planetas em órbitas estáveis.  Alexander Fleming foi levado a descobrir a penicilina ao verificar que algumas culturas de bactérias que estudava morriam quando um certo tipo de bolor se desenvolvia nessas culturas. Estudando os constituintes desse bolor, veio a isolar o primeiro antibiótico. Foi assim que o médico escocês fez uma das descobertas mais importantes dos tempos modernos.
Em todos estes casos, tais como em centenas ou milhares de outros, houve cientistas que foram levados a descobertas fundamentais por acontecimentos fortuitos que souberam aproveitar habilmente. O acaso teria desempenhado um papel fundamental em todos estes acontecimentos felizes, mas é evidente que foi preciso o gênio e a perspicácia dos investigadores para que esses acasos se tivessem transformado em descobertas.
Sincronicidade é um conceito desenvolvido por Carl Gustav Jung para definir acontecimentos que se encontram não por relação causal e sim por relação de significado. Certo dia Carl Gustav Jung ouvia uma paciente em seu consultório na Suíça. Tratava-se de uma mulher hiper-racional que resistia às técnicas de Jung para melhorar seus relacionamentos. Enquanto a paciente descrevia um sonho em que ela recebia um escaravelho dourado, Jung ouviu um som vindo da janela. Ao aproximar-se, ele viu um besouro Cetonia aurata – o mais próximo de um escaravelho dourado naquela região – tentando entrar no consultório. Jung abriu a janela, pegou o besouro na mão e o mostrou à paciente, dizendo: “Aqui está seu escaravelho”. Sabendo que aquele besouro era um símbolo de renascimento no antigo Egito, a paciente ficou tão emocionada com a coincidência que se pôs a chorar ali mesmo. Sua carapaça racional havia se quebrado, e ela logo receberia alta. Jung, por sua vez, criaria a tese da Sincronicidade a partir desse incidente.
Acredita-se que a sincronicidade é reveladora e necessita de uma compreensão. Essa compreensão poderia surgir espontaneamente, sem nenhum raciocínio lógico, que Jung denominou de “insight”.
Desta forma, é necessário que consideremos os eventos sincronísticos não os relacionando com o princípio da causalidade, mas por terem um significado igual ou semelhante. A sincronicidade é também referida por Jung de “coincidência significativa” de dois ou mais fatos. Foi um princípio que Jung sentiu abrangido por seus conceitos de Arquétipo e Inconsciente coletivo.
A sincronicidade pode ser uma crença do que no fundo nós gostaríamos que acontecesse? O materialista sem dúvida dirá que não passam de disposições fortuitas de acontecimentos, de “caprichos do destino”. O crédulo aceitará como “vontade de Deus”. O cientista irá vê-los no contexto das leis de causa e efeito. O filósofo, de acordo com a sua visão de mundo.
A física nos diz que existe a lei da atração, ou seja, nossos pensamentos, nossa vibração e querer atraem o que desejamos – magnetismo. No fundo atraímos o que queremos. E enxergamos o mundo e o que acontece conosco da forma como queremos e muitas, e não raras as vezes, de uma forma limitada. Por isso, que o acaso só favorece a mente preparada e ampla.
A sincronicidade também acontece conforme a nossa forma de ver o mundo, de pensar, de desejar. É uma escolha nossa acreditar ou não no acaso. Agora, se você observar o mundo ao seu redor verá que as pessoas que você atraiu durante a sua vida, ou mesmo nesse momento, geralmente, são pessoas com situações, problemas, contextos e formas de ver o mundo muito semelhante ao seu, ou se são pessoas que, aparentemente, não fazem sentido você acaba percebendo (se estiver preparado para isso) que ela foi a resposta das suas questões.
Será que podemos interpretar a sincronicidade como validação de que estamos no caminho certo? Talvez. Porém, mais do que isso ela nos mostra que estamos conectados não apenas nas redes sociais. Nossas almas estão conectadas pelas vibrações que emanamos por meio dos nossos pensamentos e atitudes.
Mais do que nos trazer respostas, a sincronicidade nos faz entender que fazemos parte de um todo. Que uma mudança na nossa forma de pensar não muda apenas o nosso mundo, mas o universo ao nosso redor. Somos mais do que nossos olhos podem ver e podemos ter um alcance maior do que nossa vão filosofia, um dia, quem sabe, poderá supor.

Indico o filme Serendipity que é uma comédia romântica que explica um pouco da questão do acaso.



Fontes consultadas:

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Mais do que ensinar filosofia, senti-la.

A filosofia é feita de problemas mais do que respostas. A didática da filosofia é um problema também da filosofia, e não apenas da Pedagogia. É problema do filosófico e do modo como acontece sua comunicação. A didática da filosofia não pode estar desvinculada da própria filosofia. Ou seja, quando nos debruçamos sobre o problema do ensino da filosofia nos debruçamos também sobre um problema que é filosófico e uma situação que faz com que reflitamos sobre a própria definição de filosofia.
Husserl disse que para alguns pensadores a filosofia deixou de ser um enigma e que estes pensadores que ele chama de secundários, “não se podem se chamar filósofos, pois estes estão contentes com as suas definições”. Para Platão a filosofia nasce de um Espantar-se, que em grego significa thaumazein, sofrer o impacto do thauma, do maravilhoso. Fazer filosofia é também, problematizar tudo a partir de qualquer texto. Pois a partir dos problemas, que em grego se diz próblema (o que impede a visão), nascem outros e tantos outros. A filosofia vem do espanto diante do thaumata, diante do incompreensível, do dificultoso, dos problemas, assim sendo ela desta forma é definida por sua origem, por sua gênese.
É importante fazer filsofia, conhecer a história da filosofia, os passos dos pensadores, aprofundar-se e descobrir quais foram os problemas que eles indagaram, mas como diz Descartes vamos duvidar de tudo, de tudo aquilo que comporta dúvida. A skepsis (dúvida) tem que ser princípio, método, uma ação configurada. É um recurso de onde poderíamos ter um trabalho eficiente.
O aluno tem que ser estimulado a duvidar desde cedo, a dúvida deve fazer parte da sua formação, nem que seja um duvidar das suas próprias questões e, para isso o papel do professor é fundamental. O professor tem que ser “modelo” de dúvida, ele tem que fazer o percurso junto dos alunos, tem que duvidar para que possa buscar várias explicações e, ter como ferramenta a insaciável busca do saber. Deve exercitar o talento do pensamento, assim as tentativas filosóficas servirão de baliza e, nunca de termo de chegada.
Podemos definir filosofia como uma prática humana da desconfiança que deriva na prática humana da explicação. A filosofia deve ser concebida como tentativa de compreensão da filosofia em ato, não apenas por meio da produção científica, livros, artigos, etc. e sim, como uma ação, atividade, um fazer. Isso faz com que nos aproximemos mais da própria filosofia e que passemos isso a educação. É importante sim, conhecer o pensamento de Platão, Aristóteles, Sartre e tantos outros, assim como suas obras, sua história, mas fazendo apenas isso sem indagarmos, duvidarmos, investigarmos não estaremos cumprindo com totalidade nosso papel como educadores e filósofos.
            A filosofia é para mim a infinita busca do saber. É um mar onde eu quero morrer navegando, desvendando. E que seja a cada dia um novo “espantar-se.”


Referências Bibliográficas:

PAGOTTO-EUZEBIO, Marcos Sidnei. A forma da filosofia. Ed. do Autor, São Paulo. 2009. p. 52 a 56.
_____________________________.  Filosofia como formadora. Ed. do Autor, São Paulo. 2009. p. 58 a 62.

Zygmunt Bauman - Vale a pena ver e entender a visão de mundo dele.

Zygmunt Bauman (19 de novembro de 1925Poznań) é um sociólogo polaco (português europeu) ou polonês (português brasileiro) que iniciou sua carreira na Universidade de Varsóvia, onde teve artigos e livros censurados e em 1968 foi afastado da universidade. Logo em seguida emigrou daPolônia, reconstruindo sua carreira no CanadáEstados Unidos e Austrália, até chegar à Grã-Bretanha, onde em 1971 se tornou professor titular da universidade de Leeds, cargo que ocupou por vinte anos. Lá conheceu o filósofo islandês Ji Caze, que influenciou sua prodigiosa produção intelectual, pela qual recebeu os prêmios Amalfi (em 1989, por sua obra Modernidade e Holocausto) e Adorno (em 1998, pelo conjunto de sua obra). Atualmente é professor emérito de sociologia das universidades de Leeds e Varsóvia.
Tem mais de dezesseis obras publicadas no Brasil, dentre as quais Amor LíquidoGlobalização: as Conseqüências Humanas e Vidas Desperdiçadas. Bauman tornou-se conhecido por suas análises das ligações entre a modernidade e o holocausto, e o consumismo pós-moderno.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Zygmunt_Bauman

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

A medida da resignação e da transgressão

Resignação é uma qualidade ou defeito? – perguntou-me certo dia uma amiga. Não soube responder no momento e resolvi mergulhar nesta questão e durante minha pesquisa entre “Google” e livros releio um trecho da Alma Imoral de Nilton Bonder – “o verdadeiro grande crime do ser humano é que ele pode dar-se “uma simples volta” a qualquer momento e não o faz.”
A resignação pode ser sim uma excelente qualidade e exemplo de evolução em face de situações dolorosas e inalteráveis ou a frente de um infortúnio inevitável. Muitas vezes é necessário sim, acomodar a própria vontade e resignar-se. Ser resignado frente a uma situação ou transgressor é uma escolha de cada um.
Porém, ser resignado frente a todas as situações da vida é colocar sua vida na mão do destino, é ser figurante de sua própria vida.  Já transgredir é um processo, e o momento em que nos voltamos para outra direção, marca um novo segmento de nossas histórias individuais e coletivas. Transgredir é necessário. O momento de agora pode ser uma oportunidade para mudar o curso da sua vida, para fazer diferente e não mais atrair os mesmos resultados. É assumir a direção do seu caminhar. É dar espaço para todo seu potencial.
Resignação e transgressão podem ser tidas como um conflito entre o ir e vir, voltar e ficar, permitido e proibido. Mas, somos potencialidades, possibilidades e podemos usar as ferramentas que temos mediante nosso momento, vontade e contexto. Qualquer característica quando usada com medida, sem excesso pode ser uma qualidade. Transgredir foi e é fundamental para a evolução individual e do coletivo. Podemos sim transgredir e evoluir de uma forma ética, ou seja,  sem fazer mal a outrem. Muitos são os exemplos de grandes nomes que foram transgressores na sua época e que marcaram a história, como Sócrates, Buda, Gandhi, Martin Luther King, entre outros. Segundo Nilton Bonder nossa insensibilidade se beneficia daquilo que não rompe, das ditas “boas ações” que não ferem os códigos da moral animal. Cada vez que fazemos o esperado, reforçamos um padrão humano automático de torpor. Existe uma tendência em nós de querer agradar aos outros e à moral de nossa cultura e com isso vamos, gradativamente, nos perdendo de nós mesmos. A alma se faz perceptível no despertar e no horror. Se lhe faz bem, se não prejudica o outro, transgrida suas próprias regras, normas e leis. Permita-se espantar-se.


Epistemologia - Racionalismo x Empirismo

No século, XVII e XVIII, surge o racionalismo inspirado em Descartes onde estes autores defendiam que o ser humano possuía idéias inatas e que o conhecimento se processa a partir da razão. Por outro lado, na Inglaterra, há um grupo de filósofos denominados de empirstas, que afirmavam ser a experiência e os sentidos internos a fonte do nosso conhecimento, aqui representado por David Hume.
Para Descartes, o conhecimento é uma certeza indubitável. Para atingir o conhecimento, Descartes desenvolveu o seu próprio método baseado sobretudo na dúvida. Essa dúvida em Descartes, é metódica, ou seja, é um caminho, e coloca-se sempre no início de um processo epistemológico de reflexão e nunca num fim. Ela não é uma dúvida ceticista, porque o objetivo da dúvida não é duvidar, como os céticos fazem, da possibilidade de o conhecimento humano atingir a verdade. A dúvida é, pelo contrário, um método racional de investigação.Esta dúvida possui três características: deve ser universal onde tudo deveria se submeter ao duvidar; radical, ou seja, o menor motivo que houver para se duvidar já é um bom motivo para te-la como falsa; e provisória pois Descartes pretende chegar, por meio dela, a algo sólido. é voluntária, sistemática e provisória. O objetivo da dúvida cartesiana é colocar o conhecimento sobre um fundamento seguro. Para esse fim, devemos suspender o juízo sobre qualquer proposição cuja verdade possa ser questionada, ainda que remotamente. Os critérios para o que pode ser aceito tornam-se cada vez mais restritivos, à medida em que somos convidados a duvidar do que nos é dado pela memória, pelos sentidos e até pela razão, porque isso tudo pode nos enganar. Para ele devemos duvidar dos sentidos, uma vez que eles freqüentemente nos enganam, pois, diz Descartes, nunca tenho certeza de estar sonhando ou de estar desperto. Devemos duvidar também das próprias evidências científicas e das verdades matemáticas, pois se um gênio maligno me enganasse, se Deus fosse mau e me iludisse quanto às minhas evidências matemáticas e físicas, tanto quanto existe a dúvida do Ser, sempre posso duvidar do objeto. Existe, porém, uma coisa de que não se pode duvidar, mesmo que o demônio queira nos enganar, que tudo o que pensamos seja falso, resta a certeza de que pensamos. Nenhum objeto de pensamento resiste à dúvida, mas o próprio ato de duvidar é indubitável. "Penso, logo existo” (Cogito, ergo sum) é a primeira certeza a qual chego com a radicalização da dúvida. O cogito é a primeira coisa que existe, pois para Descartes pensar é semelhante a existir.
A partir dessa certeza fundamental, Descartes procura as próximas certezas. A primeira pergunta a partir do Cogito deve ser: “se eu sou, o que sou?”. Descartes, então, utiliza um método negativo para chegar a uma certeza positiva: se posso imaginar que, mesmo eu sendo algo, meu corpo e o mundo não existem, então eu não sou meu corpo nem sou semelhante ao mundo. Minha natureza, portanto, é o pensamento. Ou seja: eu sou uma alma, e a alma é a substância pensante, em oposição à substância extensa do mundo e dos corpos.
A certeza de que eu sou uma substância pensante é clara e distina: não posso duvidar dela, e ela me aparece com distinção, como uma intuição. Intuição, para Descartes, é justamente a visão racional da evidência.
Investigando então as ideias, partindo dos dados disponíveis neste ponto, Descartes chega à conclusão de que elas são de três espécies: as ideias que têm origem fora do sujeito, fora de mim, e são resultado da apreensão do mundo pelos sentidos; as ideias que são originadas de minha imaginação; e a ideia de Deus, que não posso ter apreendido pelos sentidos, posto que não é semelhante às coisas externas, nem posso ter imaginado, visto que as qualidades de Deus (ser uma substância infinita, eterna, imutável, onipotente, onisciente e pela qual todas as coisas foram criados) são tão grandes que eu não poderia tê-las inventado.
A idéia de Deus, portanto, só pode ter sido imprimida em minha alma pelo próprio Deus. A essa prova da existência de Deus, Descartes adiciona seu argumento ontológico, que diz que, se Deus é um ser perfeito, e a perfeição exige, além das noções de eternidade, infinitude, onipotência, onisciência, também a noção de existência, então Deus não pode não existir. Se posso conceber um ser perfeito, então esse ser perfeito necessariamente existe e é a causa da ideia de ser perfeito que tenho inata – idéias inatas. Com a certeza da existência de Deus, o argumento do Gênio Maligno perde sua força, pois Deus não pode enganar – ou não seria Deus.
A partir daqui, é possível fazer ciência, pois se construiu uma fundamentação sólida para o conhecimento verdadeiro. As três primeiras Meditações insistem na ideia de que apenas a razão pode, por meio de um método construído pela própria razão, garantir o conhecimento verdadeiro, claro e distinto, das coisas. Resumindo, para Descartes a única garantia da ciência é a razão.
O empirismo, discordante de Descartes, mas partindo da ênfase no sujeito do conhecimento mostra uma outra teoria que visa a experiência como fonte do conhecimento, negando a existência de idéias inatas.
Hume nega a existência de princípios evidentes inatos em nós. Para ele, todo o conhecimento é como que uma cópia de algo, cujo objeto já tivemos acesso de alguma maneira.
Hume põe ainda o problema da causalidade. Ele refuta o princípio da causalidade segundo o qual todas as ações têm uma relação causa efeito, submetendo-o a uma análise crítica bastante rigorosa, baseando-se na sua teoria de conhecimento segundo a qual sem impressão sensível não há conhecimento, visto todas as ideias derivarem das sensações, à qual deve corresponder uma impressão.
Para Hume conhecimento divide-se em "impressões" (dados fornecidos pelos sentidos tanto internos, como a percepção de um estado de tristeza, quanto externos, como a visão de uma paisagem) e "ideias" (representações da memória das impressões).
As impressões são o que tenho de mais vívido em minha mente. São as impressões dos sentidos no momento em que ocorrem, isto é, aquilo que vejo, aquilo que ouço, e tudo aquilo que os sentidos produzem em mim é o que é mais forte em minha mente. São os prazeres e as dores. As idéias são reproduções, são cópias das impressões. Se penso no sabor da maçã, essa idéia não é tão forte quanto saborear a maçã e ter a "impressão" viva do seu sabor. Não encontro impressões complexas, mas idéias, sim, existem simples e complexas. Minha idéia de uma maçã é uma idéia complexa cujas idéias simples são o vermelho, sua textura crespa, sabor doce, etc. Hume ressalta que cegos e surdos de nascença não possuem esses caracteres, ou seja, não têm idéias correspondentes às cores ou aos sons, e para ele um ser completamente desprovido dos sentidos jamais seria capaz de qualquer conhecimento.
As ideias podem associar-se por semelhança (entre as impressões que representam), contigüidade espacial e temporal, e causalidade. De acordo com Hume, quando examinamos nossa ideia de uma coisa individual, tudo que encontramos são as idéias simples que se juntam para formar uma ideia complexa.
Para ele tudo que a mente contem são, em primeiro lugar, ou "impressões", dados finais da sensação ou da consciência interna, ou idéias, derivadas dos dados por composição, transposição, aumento ou diminuição, ou seja, o homem não cria qualquer ideia. Disto Hume infere uma teoria do significado: uma palavra que não corresponde diretamente a uma impressão só tem significado se ela traz à mente um objeto que pode ser apreendido de uma impressão por um dos processos mentais mencionados (processos associativos).
A partir daí, ele negou que possamos fazer qualquer ideia de causalidade pois ela é apenas resultado do nosso hábito mental, visto que na Natureza nada nos mostra que sempre que acontece alguma coisa, tem que acontecer outra. Só temos essa ideia porque nos habituamos a ver a sucessão de fenômenos um por um, o que nos induziu em erro.
Esta questão é de grande importância para David Hume, porque o racionalismo de Descartes apoia-se sobretudo nas relações causa efeito. Provando que não existem relações na Natureza e apenas fenômenos desligados uns dos outros, Hume rejeita, o inatismo cartesiano, introduzindo um dado novo nas teses empiristas afirmando que a identidade entre a ordem das coisas e das ideias é fruto dos nossos hábitos mentais ou na crença que existe uma ligação necessária entre os fenômenos.

Referências Bibliográficas:


Cobra, Rubem Q. - David Hume. Disponível em http://www.cobra.pages.nom.br , Acesso em: 23 maio 2009

DESCARTES, René. Meditações. Tradução de J. Guinsburg e Bento Prado Júnior. Coleção os Pensadores. 2 ed, São Paulo. 1979. p. 72 a 142.

________________. Discurso do método. Tradução de J. Guinsburg e Bento Prado Júnior. Coleção os Pensadores. 2 ed, São Paulo. 1979. p. 25 a 71.

HUME, David. Investigação sobre o entendimento humano. Tradução de Antônio Sérgio, Leonel Vallandro, João Paulo Gomes Monteiro, Armando Mora D’Oliveira. Coleção os Pensadores. 2 ed, São Paulo. 1980.

PIRES, Frederico Pieper. David Hume e o entendimento humano. Ed. do Autor, São Paulo. 2009. p. 41 a 46

_____________________. Descartes e o início da modernidade. Ed. do Autor, São Paulo. 2009. p. 35 a 40

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

A natureza da comunicação não-verbal

Quando conversamos uns com os outros, boa parte de nossa comunicação não-verbal altera-se continuamente. Nossas expressões faciais mudam, nossos corpos mudam de posição, nossos olhos se movem e erguemos ou baixamos nossas vozes. Esses sinais não-verbais que estão constantemente mudando são chamados dinâmicos. Os sinais não-verbais que não se alteram enquanto conversamos uns com os outros são chamados estáticos. Embora nossas roupas, penteado e maquiagem possam mudar de um dia para outro, eles normalmente não se alteram enquanto conversamos e, assim, são considerados sinais não-verbais estáticos. Esses sinais podem ser extremamente importantes pelo que dizem a nosso respeito.


Canais não verbais

Tendemos a pensar nos sinais não-verbais operando por meio de canais. Assim, falamos no canal da expressão facial ou no canal do olhar. Há cinco desses canais para comunicação não-verbal e todos eles comunicam alguma coisa simultaneamente. Os canais variam consideravelmente entre si. Por exemplo, alguns canais são mais fáceis de monitorar e controlar do que outros. Similarmente, alguns canais são mais facilmente observáveis e interpretáveis pelos outros.

Expressão facial

A expressão facial inclui sorriso, testa franzida, expressões de confusão, espanto ou alegria, etc. As nossas expressões faciais são um indicador direto de nossas emoções subjacentes. Sempre que conversamos com alguém, damos uma atenção particular ao rosto. Na situação de vendas, o rosto é igualmente importante tanto para o vendedor como para o cliente em potencial. O vendedor estudará o rosto do cliente para determinar o nível de interesse ou para procurar sinais de dúvida ou de desaprovação. O cliente estudará o rosto do vendedor procurando entusiasmo e honestidade. Em todas essas situações, o rosto tem um papel destacado na interação. Há pelo menos dez emoções que tendemos a comunicar por meio de nossa expressão facial: alegria, tristeza, surpresa, raiva, medo, desprezo, nojo, interesse, determinação e dúvida É seguro dizer que um vendedor bem-sucedido precisa ser hábil na "leitura" de rostos. Embora a expressão facial seja útil para comunicar emoções, é importante reconhecer que as pessoas tendem a ser muito conscientes de suas expressões faciais. Isso significa que elas podem manipular suas expressões faciais para comunicar as emoções que julguem necessárias ou apropriadas.

Comportamento dos olhos

O olhar trata da maneira como você olha para a outra pessoa - direta, indireta, ou evasivamente. Tem a ver também com quanto tempo você sustenta o olhar da outra pessoa. Olhar fixamente para um estranho comunica ou um desejo intenso ou hostilidade. “Os olhos são a janela da alma”; assim, não é surpreendente que o olhar possa ter tanto impacto. Lemos muita coisa nos olhos. Algumas pessoas têm olhos "duros", algumas "maldosos", outras têm um olhar "inteligente" e outras, ainda, olhos "tristes". Enquanto o rosto comunica emoção, os olhos comunicam a intensidade da emoção. Uma segunda função do olhar é regular a conversação. Usamos nossos olhos para solicitar informações ou feedback, assim como para proporcionar feedback. Com freqüência, olhamos intensamente para alguém para comunicar que queremos um feedback. Também olhamos para o orador para indicar que estamos ouvindo. Um ponto muito importante em uma conversa é saber esperar sua vez de falar. A terceira função do olhar é a definição da natureza da relação. Nesse sentido, o olhar mais demorado pode indicar poder, particularmente em situações em que as duas pessoas que participam da conversa têm status diferentes. Em tais situações, a pessoa de status mais elevado freqüentemente encara mais. A pessoa de status mais baixo ou olha indiretamente para a pessoa superior ou evita o olhar. Podemos também usar o olhar para determinar o grau de apreciação. Em geral, aumentamos o contato dos olhos quando gostamos de alguém e diminuímos quando não gostamos da pessoa com quem estamos conversando. 

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

O que gera a empatia

           Segundo Karl Albrecht no seu livro Inteligência Social, existem duas oportunidades de gerar empatia: 1) a experiência momentânea de associação com as pessoas; e 2) o processo de “manutenção” pelo qual um relacionamento se mantém saudável com o tempo.
         Numa situação específica, pode-se estabelecer uma conexão forte de empatia com alguém ou um grupo de pessoas concentrando-se em três tipos específicos de comportamento. Podemos pensar em 3 termos de “As” – Atenção, Apreciação e Afirmação.
         Atenção: primeiro devemos adquirir o hábito de sair de nossas bolhas mentais e no sintonizar com as outras pessoas como indivíduos únicos. Todos os seres humanos normais gostam de ser notados, ouvidos e levados a sério. Os que fingem interesse nos outros com freqüência se entregam com indícios não verbais que contradizem a história. A melhor maneira de demonstrar interesse em alguém é sentir interesse por esse alguém. A intenção natural de ouvir revela-se em seu comportamento consciente e inconsciente.
         Inclinar o seu corpo em direção à outra pessoa, fazer contato ocular, pausar e ouvir atentamente enquanto ela fala e fazer acenos ou indicar por outros meios que você acompanha o que está sendo dito – tudo isso ajuda a fortalecer o senso de atenção.
         Uma forma menos conhecida, mas muito eficaz de atenção é a regulagem não verbal, que significa ajustar a sua postura corporal, sua inclinação física geral e seus gestos aos da outra pessoa. Pode-se sentir esse mesmo indício para determinar se a outra pessoa sente com você uma conexão de empatia.
         A regulagem verbal, que também ajuda a gerar empatia, é o hábito de refletir as palavras, expressões e figuras de linguagem da pessoa para ela mesma. Se a outra pessoa usa uma metáfora em particular, empregar essa metáfora em sua resposta serve como endosso da idéia, e como confirmação não verbal de um vínculo. Você também pode regular o estilo de linguagem.
         A microestrutura da conversação humana é notavelmente complexa e diversa. A atenção tende a vir de modo natural se resolvermos considerar as outras pessoas como indivíduos. E não nos prejudica conhecer uns poucos métodos ou técnicas específicas para ajudar a fazer a conexão.
Apreciação: podemos demonstrar aos outros que estamos dispostos e somos capazes de aceita-los como são e pelo que são. Podemos discordar de suas visões políticas ou religiosas, e nosso mundo pessoal de valores e experiências pode ser bem diferente do deles; mas se dissermos que é possível coexistir pacificamente com eles mesmo que haja discórdia em algumas coisas, provavelmente demonstraremos aceitação e apreciação com naturalidade.
Os sinais verbais que indicam para as pessoas que as aceitamos e lhes reconhecemos o direito de ser quem e o que são, é possível fazer mais algumas coisas para reforçar o elo de respeito mútuo. Uma habilidade importante para a percepção de respeito, aceitação e apreciação é o uso de “linguagem limpa” – um padrão de linguagem semanticamente flexível e considerado, livre de dogmatismo, sarcasmo, opinionite, todite, polarização e dicotomias, e fizer bom uso de limitadores e qualificadores semânticos, assim poderemos evitar que os outros desenvolvam resistências as nossas idéias e sugestões. Quando as pessoas percebem que existe um respeito, elas ficam mais inclinadas a ouvir as nossas.
  Afirmação: é reconhecidamente mais fácil apreciar, respeitar e sentir-se próximo a alguém cujo os valores e idéias compartilhamos do que a alguém que discordamos totalmente em questões importantes. Ao mesmo tempo, é possível aceitar essa pessoa, como pessoa, pelo modo como interagimos com ela.
         Como seres humanos, normalmente precisamos e queremos – e frequentemente buscamos – auto-afirmação em pelo menos 3 níveis: 1)amabilidade, 2) capacidade e 3) dignidade. Cada um de nós precisa saber que é digno de afeto. Cada um de nós precisa sentir que é respeitado por aquilo que é capaz de fazer. E cada um de nós precisa sentir que é reconhecido como uma pessoa digna. Em todos os três sentidos, elogios sinceros e naturais são meio caminho andado. O lendário especialista em motivação Dale Carnegie observava que a maioria das pessoas é faminta por “insumos emocionais” – o tipo de reconhecimento, aceitação, aplauso e afirmação que na verdade é facílimo de oferecer. O princípio é enganosamente simples: se você ajudar as pessoas a se sentir bem consigo mesmas, elas se sentirão bem a seu respeito.

A empatia segundo a Inteligência Social

           A conotação usual de ser empático é identificar-se com uma outra pessoa e  apreciar-lhe ou compartilhar-lhe os sentimentos. Entretanto, no contexto da inteligência social, há um nível adicional de profundidade – a sensação de vínculo – que inspira as pessoas a cooperar. Nesta discussão, a empatia é definida como um estado de sentimento positivo entre duas pessoas, o que conhecemos comumente como a reciprocidade.
           O senso comum diz que as pessoas estarão mais inclinadas a cooperar e concordar conosco, e a nos apoiar e ajudar, caso nos apreciem e compartilhem um senso de respeito e afeição mútuos. Desenvolver empatia com uma outra pessoa significa conseguir que ela compartilhe com você um sentimento de vínculo, que a induza a mover-se com e rumo a você, e não contra e para longe de você.
          Não é realista achar que podemos molestar as pessoas, insulta-las, faze-las sentir-se insignificantes, mal amadas ou indignas; elogia-las quando precisamos de algo e ignora-las quando não precisamos; e depois de tudo esperar que elas tenham conosco uma sensação de vínculo. A empatia requer um investimento de longo prazo, não a aplicação episódica de “charme”. Para chegar a empatia, é necessário um compromisso pró-ativo. Você precisa “agregar valor” ao modo como às outras pessoas o vêem.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

As bases cognitivas na construção de nossas realidades

Todo conhecimento é obtido por meio da experiência sensorial que chegam ao sistema nervoso central na forma de estímulos sensoriais provenientes dos nossos cinco órgãos dos sentidos (visão, audição, tato, olfato e gustação). Quanto maior o número de experiências, mais acentuado será o desenvolvimento de uma pessoa, tanto nos aspectos motor, como no intelectual, emocional e comportamental.
O córtex cerebral possui um mapa do corpo para cada submodalidade de sensação compreendendo as áreas sensoriais primárias. As funções mentais complexas requerem a integração da informação de várias áreas corticais interligadas entre si. São as áreas de associação do córtex cerebral que envolve a personalidade, integração e interpretações das sensações, processamento da memória, produção de emoções, planejamento de ações, compreensão do esquema corporal e da linguagem.
Até pouco tempo, aceitava-se o pressuposto básico que os mapas corticais seriam fixos e praticamente imutável após a fase de total desenvolvimento do cérebro. Atualmente, sabe-se que a representação interna do espaço pessoal pode ser modificada pela experiência, e que os mapas corticais podem mudar, mesmo na fase adulta, com o uso das vias aferentes embasados nos princípios da neuroplasticidade. As conexões neurais estão continuamente sendo estabelecidas e desfeitas, todas modeladas por nossas vivências e nossos estados de saúde e doença.
Por meio da neuroplasticidade ocorrem novas conexões neurais redistribuindo a rede de transmissão de informações sensoriais e motoras ligadas à interpretação e planejamento motor, estabelecendo-se assim, uma nova rota de transmissão de informações sensoriais que podem influenciar no resultado final de nossa capacidade cognitiva.
A identificação de um objeto ou situação em particular ocorre segundo duas etapas básicas: a) sensação: consciência das características sensoriais de um objeto (forma, dureza, cor, tamanho); b) interpretação: as características sensoriais são comparadas com conceitos do objeto existentes na memória, permitindo sua identificação.
De um modo geral, todas as situações são percebidas de acordo com experiências anteriores com as quais elas se associam, com nossas expectativas, necessidades, além de fatores circunstanciais, inclusive por preconceitos e estereótipos fixados em nossa memória. Assim, nossa percepção pode não refletir o mundo exterior como ele é na realidade, e sim, como uma criação transformada e adaptada segundo nossos valores e padrões individuais resultantes de vivências anteriores, que sofreram modificações desde a captação da informação pelos nossos órgãos dos sentidos até sucessivas alterações de seu conteúdo original no decorrer de seu processamento pelas áreas de associação do nosso encéfalo.
Na maioria das vezes enxergamos o mundo, os outros com os nossos conteúdos, experiências, etc. e não como realmente são. Por isso, o desenvolvimento da empatia é fundamental para o entendimento real do que o mundo e os outros estão nos dizendo.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

A compreensão de ser humano e de sociedade no Iluminismo

A filosofia moderna, ou seja, o pensamento filosófico da metade do século XV ao final do século XVIII, teve sua origem concomitantemente com o declínio do  pensamento escolástico, o qual se caracteriza por seu pluralismo (aceitação de uma pluralidade de entes e de graus de ser realmente diversos) e por seu personalismo (reconhecimento da primazia dos valores da pessoa humana), por uma concepção orgânica da realidade bem como pelo teocentrismo ou olhar dirigido para o Deus criador. Quanto ao método da escolástica, reduzia-se ele à análise lógica pormenorizada dos problemas particulares. A filosofia moderna atacou de frente todas estas características.
Resumindo, o panorama da fase de fundação filosofia moderna apresenta duas tendências que são o Racionalismo cartesiano, denominado pelo nome de seu fundador René Descartes, e o Empirismo baconiano, assim denominado em função ao seu implantador Francisco Bacon.
Descartes conseguiu criar um sistema da filosofia na modernidade, sendo por isso considerado o pai da filosofia moderna, embora tenha se apropriado mais da racionalidade do que da experiência.
Bacon e Descartes solidificaram duas tendências, que sempre existiram, mas que tomam feições novas. Uma das tendências valorizou a experiência, de onde veio o empirismo e posteriormente o positivismo. Outra, enfatizando a autonomia da razão, dali decorrendo o racionalismo radical, dispensando a experiência para a descoberta dos universais.
 O empirismo buscou valorizar a experiência, portanto, as relações extrínsecas, mais do que as noções meramente especulativas da razão. Esta maneira de pensar era inovadora, com raras manifestações na filosofia imediatamente anterior.
O racionalismo, de outra parte, - e que era o plano em que se situava Descartes, - também inovou, porque se radicalizou na subjetividade da inteligência. Em termos gerais, os antigos já eram racionalistas, porquanto admitiam a especulação a penetrar na forma intrínseca das coisas. O novo racionalismo afastou a importância do objetivo; não somente pensava objetos independentemente da experiência, mas ainda se concentrou no Eu como criador do objeto, quando não no todo, ao menos em parte.
A época moderna muito tem para diferenciar-se concretamente da anterior por causa do seu tempo político e por causa da personalidade dos seus filósofos que tinham como crença a perfectibilidade da natureza e da razão. Como, por exemplo, Leonardo de Vinci (1452-1519) que considerou a arte e a ciência como tendentes a um único escopo: o conhecimento da natureza. Segundo Nicola Abbagnano, para Leonardo Da Vinci arte e ciência assentam ambas em dois pilares de todo o conhecimento verdadeiro da natureza: a experiência sensível e o cálculo matemático. De fato, as artes, e em primeiro lugar a pintura, que Leonardo coloca acima de todas as artes, procuram nas coisas a proporção que as faz belas e pressupõem um estudo directo que procura descobrir nas coisas, mediante a experiência sensível, aquela mesma harmonia que a ciência exprime nas suas leis matemáticas. Ainda, segundo Nicola Abbaganano Leonardo exclui da pesquisa científica toda a autoridade e toda a especulação que não tenha o seu fundamento na experiência. "A sabedoria é filha da experiência" (ed. Richter, n. 1150). A experiência jamais engana; e os que se lamentam dos seus logros deveriam antes lamentar-se da sua ignorância porque pedem à experiência aquilo que está para lá dos seus limites. Em contrapartida, pode o juízo enganar-se sobre a experiência; e para evitar o erro não há outra via senão reduzir todos os juízos a cálculos matemáticos o servir-se exclusivamente da matemática para entender e demonstrar as razões das coisas que a experiência manifesta (Cod. atl., fol. 154 r). Entender a "razão" na natureza significa entender a "proporção" que não se encontra apenas nos números e nas medidas, mas também nos sons, nos pesos, nos tempos, nos espaços e em qualquer potência natural.
Com Imanuel Kant, a filosofia moderna sofreu novas profundas transformações. O filósofo é autor de um pequeno texto (Resposta a pergunta: O que é o esclarecimento?, datado de 1784) que representa uma das maiores contribuições ao entendimento do que seja o iluminismo. Kant explica que esclarecimento (Aufklãrung)[1] significa a saída do homem  de sua minoridade, pela qual ele próprio é responsável. A minoridade é a incapacidade de se servir de seu próprio entendimento sem a tutela de um outro. É a si próprio que se deve atribuir essa minoridade, uma vez que ela não resulta da falta de entendimento, mas da falta de resolução e de coragem necessárias para utilizar seu entendimento com a tutela do outro (p.1).
Para Kant, esclarecer, iluminar, será o meio para instituir o homem em sua plenitude, bem como a sociedade formada pelos homens. Se manter na minoridade, não assumir seus próprios atos, responsabilidades e o uso adequado da razão é tentador, colocando o homem no sedentarismo intelectual, que coloca no outro a responsabilidade de pensar por si. Segundo Daniel Pansarelli, Kant denuncia que a própria organização social, com suas instituições, por muitas vezes induz os sujeitos à renúncia de sua capacidade de raciocinar. Sendo difícil para um sujeito, tomado em sua individualidade, livrar-se da condição de minoridade intelectual, passando a fazer uso próprio da razão. Se é difícil para um sujeito esclarecer-se isoladamente, podemos entender que o Esclarecimento será, portanto, de um povo, pois não é possível chegar à maioridade individualmente, apenas no coletivo. Tem que se buscar o esclarecimento do povo, da sociedade que é composta por indivíduos.
Vemos então que o processo de racionalização, característico da Modernidade é compreendido por Kant como um processo que representava o curso natural da evolução da sociedade. O ser humano estava apto para raciocinar sobre sua própria razão, tematizando-a como objeto de reflexão filosófica.
Segundo Kant, a liberdade é condição para que a sociedade siga seu curso natural, rumo ao Esclarecimento, ou seja, o ser humano deve se desenvolver racionalmente, esclarecer-se, a tal ponto que sua própria vontade, livremente, seja desejosa daquilo que se apresenta como melhor para a sociedade. A vida em sociedade esclarecida será a vida moral, isto é, a vida regrada pelo bom uso da razão. Para que possa atingi-la, todavia, a razão deve ser plena liberdade, ou melhor, os indivíduos devem ter plena liberdade ao fazer uso público da sua razão. Entende-se uso público da razão como aquele que o intelectual faz, por escrito, ao elaborar suas idéias sobre os diversos temas da sociedade. O uso privado é o levado a risca pelo indivíduo no desempenho de sua função pessoal. Sendo assim, o livre uso público da razão é o próprio processo de Esclarecimento, processo este que segundo Kant e outros iluministas, levaria a sociedade ao seu pleno desenvolvimento.
Nas palavras de Kant, o Iluminismo marcou a “emergência do homem da imaturidade imposta a si mesmo”. Essa imaturidade consistia principalmente da subserviência do homem aos constragimentos das crenças religiosas. Todas as questões a respeito da natureza do universo, dos seres humanos e do lugar deles no cosmos deviam ser respondidas em termos de autoridade das Escrituras. O poder da Igreja, pelo menos na Europa Ocidental, era esmagador nessa época; cada aspecto da vida de uma pessoa era foco potencial de seu interesse e de sua ira. Ficar sob as garras das exigências da ortodoxia religiosa era correr o risco de detenção, tortura e morte.
Foi nesse contexto que pensadores como John Locke, na Inglaterra e Voltaire e Denis Diderot, na França, começaram a articular a mensagem do Iluminismo.
O Iluminismo foi um movimento intelectual que surgiu durante o século XVIII na Europa, e pregava maior liberdade econômica e política. Em termos mais amplos, a mensagem do Iluminismo afirmava que todos os seres humanos têm a capacidade de usar a razão de modo a pensar, atuar, resolver problemas, descobrir o mundo e progredir moralmente. E negava que a autoridade – quer de sacerdotes, dos textos sagrados ou da tradição da Igreja – pudesse, de alguma forma, ser a medida adequada para a verdade. A crença no potencial humano de esclarecer-se por meio do uso da razão diz respeito à noção de perfectibilidade humana. Acreditavam os Iluministas que o ser humano poderia desenvolver-se até atingir a perfeição, que será alcançada por meio da razão. Outra característica importante deste movimento é que esta possibilidade de esclarecer-se é algo passível de todos os seres humanos e não apenas de algumas elites.
Neste período François Marie Arouet, conhecido como Voltaire destacou-se pelas críticas ao clero católico, à intolerância religiosa e à prepotência dos poderosos. Popularizou o conhecimento filosófico por meio de um grande número de contos para que chegassem a outras camadas da sociedade, em meios informais, não escolares. Teve que, muitas vezes, publicar anonimamente seus textos para que não fosse punido.Embora, em muitos casos, se soubesse quem era o autor, o recurso do anonimato era necessário, para manter um regime de aparências.
Voltaire escreveu o Dicionário filosófico que mantém certa similaridade com a Enciclopédia, de Diderot e d’Alembert, no sentido de propor bases racionais para construção e interpretação do conhecimento, que deveria ser apropriado por tantos quantos fosse possível. Percebe-se em Voltaire a forte presença de um objetivo formativo da sociedade como um todo.
Segundo Daniel Pansarelli existe em Voltaire uma nítida crença na capacidade humana de esclarecer-se e de reger-se, ainda que se observe-se na história casos de distorções ou maus usos da democracia: não são problemas da democracia, mas sim do uso instintivo, não racional (portanto não esclarecido) do poder. Voltaire não se ilude quanto à dificuldade de se reger democraticamente um país. Guiar-se pela razão implica colocá-la em posição de dirigir, tanto quanto possível for, os instintos – instinto e razão são dons naturais humanos, e a razão é superior ao primeiro.
Na medida que o ser humano se aperfeiçoa há possibilidade do aperfeiçoamento da democracia. Para Voltaire, o governo dos homens, em esclarecimento, é melhor que um governo despótico, ainda que o déspota seja o próprio Deus.
Outra pensamento importante da época er ao de Jean-Jacques Rousseau, autor da obra O contrato social, na qual afirma que o soberano deveria conduzir o Estado de acordo com a vontade do povo. Somente um Estado com bases democráticas teria condições de oferecer igualdade jurídica a todos os cidadãos. Afirma também que “o homem nasce livre; e em todo lugar está preso”. A sociedade lhe impõe limites, normas de conduta, que podem significar uma indesejável privação de sua liberdade.
Podemos encontrar no Contrato Social referência a dois tipos de liberdade: liberdade natural com a qual todos nascemos; e a outra liberdade convencional, determinada por convenções sociais, necessárias para que possamos viver em sociedade sem estarmos sob o jugo de um modelo de governo fundado na tirania.
Um governo tirano para Rousseau não se justifica e o argumento que ele defende é de ordem jurídica, onde o poder tomado pela força jamais gerará direito ao poder. Aquele que passa a governar por ser mais forte, governará de fato, mas nunca de direito. Segundo Rousseau existe uma distinção entre o governo que cerceia a liberdade e se impõe forçosamente à sociedade e um governo de direito, que tenha por função estabelecer “na ordem civil, alguma regra de administração legítima e segura, tomando os homens como são e as leis como podem ser” (ROUSSEAU, 1999, p. 51).
O argumento construído nessa obra repousa sobre o conceito de “vontade geral”, ou seja, de um lado, dos grupos sociais, os indivíduos são livres para perseguir seus próprios interesses específicos, egoístas. Porém, assim que as pessoas começam a viver em relações fixas com outras pessoas, esse tipo de liberdade é necessariamente restringido. No entanto, existe um modo pelo qual as pessoas podem viver em grupos sociais e ainda permanecerem livres: um contrato social no qual cada indivíduo membro do grupo deve fazer parte do corpo soberano desse grupo. A liberdade, então, consiste em agir de acordo com a “vontade geral” do grupo. Estabelece-se assim a liberdade convencional, onde a condição é igual para todos na medida em que cada um se doa por completo, e sendo a condição igual para todos, ninguém se interessa em torna-la onerosa para os demais.
Resumindo, este tipo de organização social não privaria a liberdade, mas apenas substituiria a liberdade individual, limitada à força física de um único indivíduo, pela poderosa liberdade convencional, em que a força presente é a soma das forças de todos os indivíduos que se alienam, individualmente, em benefício coletivo.
Como vimos, a Idade Moderna foi um período de grande produção filosófica por meio de filósofos denominados modernos e as principais características de seus pensamentos como: Descartes, Bacon, Kant, Voltaire, Rousseau e de vários filósofos que estudaram a organização política das sociedades, mas que não foram citados aqui.
Vimos também que a crença na capacidade do ser humano e a defesa incondicional da liberdade são alguns dos pontos comuns quase sempre defendidos pelos filósofos iluminsitas. O ser humano, ser racional, tem em sua capacidade de raciocinar o elemento necessário para se chegar a bons resultados, boas soluções para seus conflitos de formação pessoal e também sociais. Saber escolher e tomar decisões seriam conseqüências do adequado uso da razão quando esta estivesse mais substancialmente desenvolvida em cada ser.
Percebemos que embora a perfeição não possa ser alcançada, o que não é um consenso entre todos os filósofos da época, o aperfeiçoamento ou esclarecimento é objetivo.



Referências Bibliográficas:


ABBAGNANO, Nicola. História da Filosofia, vol. VI. Lisboa: Editorial Presença, 1970.
KANT, I. Resposta à pergunta: O que é o Esclarecimento?. Trad. Luiz P. Rouanet. Disponível em http://br.geocities.com/eticaejustica/esclarecimento.pdf. Acesso em 11/09/2009.
PANSARELLI, Daniel. Kant e a questão do Esclarecimento. Ed. do Autor, São Paulo. 2009. p. 10 a 12.
________________ . Reflexões primeiras a cerca do Iluminismo francês. Ed. do Autor, São Paulo. 2009. p. 14 a 17.
________________ . O problema da liberdade em Jean-Jacques Rousseau: o livro primeiro do contrato social. Ed. do Autor, São Paulo. 2009. p. 20 a 22.
ROUSSEAU, J.J.. Do contrato social. Trad. Pietro Nassetti. Ed. Martin Claret. São Paulo, SP. 2007.
STANGROOM, Dr. Jeremy. Filosofia, Ed. Ciranda Cultural Editora e Distribuidora Ltda. São Paulo, SP. 2008.


[1] Para esclarecimento Kant utiliza o termo Aufklãrung, que indica a ação de esclarecer (ou de iluminar), mas com destaque ao fato de tratar-se de uma ação. Pode-se entender esclarecimento como sinônimo de Iluminismo.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Você diz o que você quer dizer?

A maioria das pessoas acredita que a fala é ainda a nossa principal forma de comunicação. Em termos evolucionários, a fala só passou a fazer parte do nosso repertório de comunicação em tempos recentes, usada fundamentalmente para transmitir fatos e dados. Estima-se que ela tenha se desenvolvido há cerca de 2,5 milhões de anos, tempo durante o qual o nosso cérebro triplicou de tamanho. Antes disso, a linguagem corporal e os sons produzidos pela garganta eram as principais formas de transmissão de emoções e sentimentos humanos - e continuam sendo até hoje, embora a excessiva atenção dada às palavras faça com que sejamos profundamente desinformados a respeito da linguagem do corpo e da importância que ela tem em nossas vidas.
A linguagem falada reconhece a importância da linguagem corporal para a nossa comunicação.
Os atores do cinema mudo, como Charles Chaplin, foram os pioneiros das técnicas de linguagem corporal, então o único modo de comunicação disponível na tela. A técnica de um ator era considerada boa ou má à medida que ele fosse capaz de usar gestos e sinais corporais para se comunicar com o público. Com a popularização do cinema falado e a conseqüente perda de importância dos aspectos não-verbais da representação, muitos atores do cinema mudo caíram na obscuridade. Só sobreviveram os que eram dotados de talentos verbais e não-verbais.
Albert Mehrabian, professor de psicologia da UCLA, pioneiro da pesquisa da linguagem corporal na década de 1950, apurou que em toda comunicação interpessoal cerca de 7% da mensagem é verbal (somente palavras), 38% é vocal (incluindo tom de voz, inflexão e outros sons) e 55% é não-verbal. A questão era o aspecto que você tinha ao falar e não o que realmente dizia.
O antropólogo Ray Birdwhistel, pioneiro do estudo da comunicação não-verbal, calculou que, em média, o indivíduo emite de 10 a 11 minutos de palavras por dia em sentenças com duração média de apenas 2,5 segundos e estimou também que somos capazes de fazer e reconhecer cerca de 250 mil expressões faciais.
Tal como Mehrabian, Birdswhistel descobriu que o componente verbal responde por menos de 35% das mensagens transmitidas numa conversação frente a frente; mais de 65% da comunicação é feita de maneira não-verbal.
A maioria dos pesquisadores hoje concorda que as palavras são usadas primordialmente para transmitir informações, ao passo que a linguagem corporal é usada para negociar atitudes interpessoais e, em alguns casos, como substituta das mensagens verbais. Por exemplo, quando uma mulher manda "aquele olhar" para um homem, está lhe transmitindo uma mensagem muito clara sem precisar abrir a boca.
Como qualquer outra espécie, somos ainda dominados por regras biológicas que controlam nossas ações, reações, linguagem corporal e gestos. O fascinante em tudo isso é que o animal humano raramente tem consciência de que suas posturas, movimentos e gestos podem contar uma história enquanto sua voz está contando outra.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Seja apenas outra alma humana

         A empatia é a compreensão respeitosa do que os outros estão vivendo. O filósofo chinês Chuang-Tzu afirmou que a verdadeira empatia requer que se escute com todo o ser: “Ouvir somente com os ouvidos é uma coisa. Ouvir com o intelecto é outra. Mas ouvir com a alma não se limita a um único sentido – o ouvido ou a mente, por exemplo. Portanto, ele exige o esvaziamento de todos os sentidos. E, quando os sentidos estão vazios, então todo o ser escuta. Então, ocorre uma compreensão direta do que está ali mesmo diante de você que não pode nunca ser ouvida com os ouvidos ou compreendida com a mente”.
         Ao nos relacionarmos com os outros, a empatia ocorre somente quando conseguimos nos livrar de todas as idéias preconcebidas e julgamentos a respeito deles. Martin Buber, filósofo israelense nascido na Áustria, descreve essa qualidade de presença que a vida exige de nós: “Apesar de todas as semelhanças, cada situação da vida tem, tal como uma criança recém-nascida, um novo rosto, que nunca foi visto antes e nunca será visto novamente. Ela exige de você uma reação que não pode ser preparada de antemão. Ela não requer nada do que já passou; ela requer presença, ela requer responsabilidade; ela requer você”.
         A presença que a empatia requer não é fácil de manter. “A capacidade de dar atenção a alguém que sofre é uma coisa muito rara e difícil; é quase um milagre; é um milagre”, afirma a escritora francesa Simone Weil. “Quase todos os que pensam ter essa capacidade não a possuem”. Em vez de empatia tendemos a ter uma forte premência de dar conselhos ou encorajamento e de explicar nossa própria posição ou sentimento. A empatia, por outro lado, requer que se concentre plenamente a atenção na mensagem da outra pessoa. Damos aos outros o tempo e espaço de que precisam para se expressarem completamente e sentirem-se compreendidos. Há um ditado budista que descreve apropriadamente essa capacidade: “Não faça nada, só fique sentado”.
          Acreditar que temos de “consertar” situações e fazer os outros sentirem-se melhor impede que estejamos presentes. Todos nós nos papéis de conselheiros, terapeutas, psicanalistas, somos especialmente suscetíveis a essa crença. Outro ponto importante, é que a compreensão intelectual de um problema bloqueia o tipo de presença que a empatia requer. Quando estamos pensando a respeito das palavras de alguém, escutando como elas se relacionam com nossas teorias, estamos olhando para as pessoas, mas não estamos com elas. O ingrediente-chave da empatia é a presença: estamos totalmente presentes com a outra parte e com aquilo pelo que ela está passando. Essa qualidade de presença distingue a empatia da compreensão mental ou da solidariedade. Por isso, gosto muito daquela frase do Jung - "Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana."