sábado, 28 de janeiro de 2012

A culpa nossa de cada dia




            No seu livro a Alma Imoral, Nilton Bonder, diz que o ser humano é talvez a maior metáfora da própria evolução, cuja tarefa é transgredir algo estabelecido. Antes mesmo de conhecer a consciência e de se perceber nu, ou seja, um animal moral, o ser humano deparou com uma dimensão de si capaz de transgredir e provavelmente projetada para si. Toda moral, toda tradição, toda religião e toda lei são produtos do corpo moral, de um animal moral. E toda sociedade está voltada para “vestir” a nudez do ser humano.
            Segundo Aura Lago Lopes, na origem do sentimento de culpa, estaria presente uma renúncia ao instinto, por medo de perder o amor ou o seu equivalente, o medo da agressão por parte de uma autoridade externa. Em um segundo momento, organizar-se-ia uma autoridade interna, a consciência e, por medo dela, outras renúncias se dariam. O desejo indestrutível persiste e não podendo ser escondido do superego, exige punição.
             De certa forma, a consciência moral se coloca como um impedimento na realização do desejo, o sujeito recua do seu desejo, diante da maldade de si mesmo e do próximo, e é nesta recusa que surge a culpa. Lacan diz que “a análise é importante, além de outras razões, para que os homens compreendam que os seus desejos não são a mesma coisa que suas necessidades”. O desejo é o que dá suporte ao inconsciente. O inconsciente é o que faz enveredar por uma trilha particular, exigindo que a dívida seja paga, e o inconsciente está sempre retornando, e nos fazendo dar um sentido a nossa ação. Ceder ao desejo acompanha-se sempre no destino do sujeito de uma traição, ou ele trai a sua vida, ou ele é traído por alguém de quem tinha expectativas. Segundo Aura Lago Lopes, paga-se um preço pelo acesso ao desejo, paga-se com o corpo, com a  carne, com o gozo. Da infelicidade e do mal-estar não podemos escapar. Estamos fadados e marcados pela culpa. Porém, essa é uma descoberta que se faz ao se enveredar por uma via, via esta que se trilha e se trama numa experiência individual e singular do sujeito.
            Muitos sintomas que se manifestam no nosso corpo, desde uma dor nas mãos, um inchaço nas articulações até uma dor insuportável nas costas, são sinais de um mal-estar que ruge uma dor. O corpo paga o preço pelo conflito do desejo e do socialmente aceito. Muitas vezes está presente na dor física a dor de existir. Freud, fala da satisfação que a doença pode propiciar na medida em que implica o castigo para um sentimento de culpa que permanece desconhecido para o sujeito. Ele afirma que mais além ou mais aquém da doença existe uma culpa que a alimenta:

...este sentimento de culpa permanece mudo para o enfermo. Não lhe diz que seja culpável, e deste modo o sujeito não se sente culpável, senão doente. Este sentimento de culpa não se manifesta senão como resistência dificilmente redutível, contra a cura.

            A culpa pode cobrar preços muitos mais altos do que dores no corpo. Ela pode insistir uma vida inteira de penitência e de dor. Essa culpa pode ter origem num ato de omissão, num pensamento, que nossa consciência, com sua infinita sabedoria, considera pecaminosa. Sendo assim, como diz Judith Viorst, a doença da nossa mãe, o divórcio ou a morte dos nossos pais, nossas invejas e nossos ódios secretos, nossas gratificações sexuais solitárias – qualquer uma dessas coisas, ou todas, podem vir a ser nossa culpa e nossa vergonha. E se o novo irmão ou a nova irmã que não queríamos e que desejávamos que desaparecesse vem a morrer – por doença ou acidente -, podemos nos julgar responsáveis, e – sem saber o que estamos pensando – dizer para nós mesmos: “Por que eu o matei? Por que não o salvei? Por quê?”. E nossa vida pode se chocar nas rochas dessa culpa inconsciente.
            Segundo Freud, muitos pacientes que resistem ferozmente a qualquer alívio dos próprios sintomas, que parecem se agarrar à dor emocional, prendendo-se a ela porque ela significa a punição que eles próprios não sabem que desejam, por crimes que nem sabem que cometeram. Entretanto, Freud faz notar que uma neurose resistente a todos os esforços do analista pode desaparecer de repente, se o paciente faz o casamento infeliz, perde todo o dinheiro ou fica gravemente doente. “Nestes casos”, escreve Freud, “uma forma de sofrimento é substituída por outra, e vemos que tudo que importava era a possibilidade de manter uma certa quantidade de sofrimento.”
Sendo sujeitos “normais” a questão culpa sempre nos acompanhará, cedendo ou não cedendo ao desejo. Consciente ou inconscientemente manifestaremos sinais de que ela está conosco. Ela é incurável, insubordinável e intransferível. Ela é fruto das nossas escolhas. E como já disse no texto anterior Minha culpa, minha tão grande culpa, algumas vezes ela é apropriada e boa. Imprescindível para uma vida em sociedade. No entanto, a grande questão é admitirmos sua presença, porém sem torná-la a razão da nossa existência. É seguir buscando o bem-estar com o desejo de entregar-se ao prazer de ser e ao de estar sendo, conscientes e realizados com nosso caminho.

domingo, 22 de janeiro de 2012

A coragem de se encontrar




Quando Moisés se aproxima do faraó para pedir-lhe que liberte seu povo, o faraó do Egito faz-lhe um desafio:
“Mostre-me algo que TE surpreenda.”
Os rabinos logo perguntaram:
Não deveria ser: “Mostre-me algo com que EU me surpreenda?”
E logo respondem, esclarecendo que o faraó era homem muito esperto e vivido e que sua pergunta era correta. Se Moisés é alguém que deve ser respeitado, tem de mostrar que é alguém que se surpreende, e não alguém que surpreende os outros.

            Vivemos num século onde muitas mudanças aconteceram, desde os avanços na tecnologia até a forma de nos relacionarmos. Mas será que a nossa forma de ver e viver o mundo acompanha as mudanças? É pertinente e coerente com nossas conquistas? Ainda hoje nos vemos tendo que escolher entre ser e ter. Questão tão discutida que se tornou cansativa, uma batalha sem fim. Não seria muito mais prazeroso aceitar que podemos ser e ter, sem culpas homéricas? Afinal, o “ter” faz parte da constituição do ser humano e não significa ser pobre de espírito, de valores, de cuidado e preocupação com os outros e com o mundo. Aceitar essa dualidade, que somos corpo e alma, que temos infinitas possibilidades, vai nos levar a tão desejada liberdade. Romper esses preconceitos, permitir-se trair a tradição em prol de uma fidelidade para consigo mesmo. Por mais que tenhamos mais liberdade de expressão hoje do que antigamente, ainda nos preocupamos muito com o que o outro vai pensar. Sem dúvida, “o traidor”, a pessoa que rompe, muitas vezes é tido como “fraco”, quando o que a sua atitude menos representa é a “fraqueza”.  É preciso muita coragem para trair, para romper. Porque quem o faz se expõe e causa indignação nas pessoas que não possuem esta mesma coragem. O que afeta essas pessoas é o fato de serem conduzidas a profundezas da intimidade que desejam evitar, questões próprias que são, durante boa parte da vida, escanteadas e colocadas embaixo do tapete.
            Deixar suas crenças e seu passado em nome de um futuro é para poucos. Tendemos a repetir e a seguir os padrões que nos foram transmitidos. Nossos pais, nossas experiências, tudo o que nos oferecem “certeza”, além do medo do desconhecido, apontam o que é “correto” como sendo o “bom” por definição, nos determinando um destino. A proposta da imutabilidade é mais do que indecorosa, nos diz Nilton Bonder; ela violenta o indivíduo. Ela nos propõe que continuemos fazendo o que já foi feito no passado. Quantas vezes ouvimos ou sofremos ao ouvir nossos pais dizerem: “Eu tive de viver tal e tal condição... por que você não pode passar por isso?” Isto é expresso como um conceito educacional em que, com certeza, o passado é determinador do que é certo e bom. Um filho que rompe, que não tem a profissão do pai, que não segue as expectativas e a cartilha definida pela tradição familiar é visto como um “sem juízo”, como alguém que está perdido e fora do prumo, a “ovelha negra”.
            Nem sempre é fácil aceitar, admitir e principalmente ter coragem para sair do lugar comum que um dia serviu para o nosso desenvolvimento e crescimento, porém se tornaram ultrapassados, distantes do que almejamos para nossa vida. Quando decidimos sair desse lugar que não nos identificamos mais, aparecem centenas de dúvidas, os medos florescem, a culpa vem à tona. E para onde ir se conhecemos apenas aquele lugar? Aparentemente isto parece tão difícil e intransponível. E então experimentamos a mais temida das sensações – o pânico de se extinguir. Nesse momento pensamos em voltar, nos autossabotamos. Mas, como disse Albert Einsten, “A mente que se abre a uma nova ideia jamais voltará ao seu tamanho original”.
            Por isso, se escolhermos seguir em frente, esse profundo ato de confiança em nós mesmos e no processo da vida garante a passagem pelo vazio que magicamente se concretiza em chão sob os nossos pés. O que não existia passa a existir e um novo lugar se faz acessível. Passar por um processo de mutação é permitir-se surpreender. É se descobrir. E, nessa trajetória, a “mesmice” muitas vezes é o caminho mais curto, o mais simples, mas também o que tem os custos mais elevados. Ir pelo caminho mais simples e mais curto é uma lei evolucionista. Automaticamente. pelo hábito, nos movemos na direção mais imediata e curta. No nosso dia-a-dia, sabemos muito bem quais são os caminhos mais curtos e quais são os mais longos. Fazemos também nossas opções por padrões que optam pelo curto. Mas nossos mecanismos de detectar se são “curtos longos” ou “longos curtos” existem e sempre estão aí para apontar novos inícios, por exemplo, de relações de trabalho, amor e amizade.
            Segundo Nilton Bonder aquele que engana a si mesmo é mais perverso do que o que engana os outros. Isso porque aquele que engana os outros está muito próximo de cair em si do que aquele que engana a si mesmo. Pense em quantas vezes você se sabotou hoje em prol de padrões, da tradição e do seu medo? É difícil aceitar o encontro consigo. Nem todos estão preparados para se ver e para conviver com uma nova maneira de ser para si mesmo. Quantas vezes você se permitiu “horrorizar”? O rabi Nahum declarou: “Temo muito mais as boas ações que me acomodam do que as más ações que me horrorizam!”. A experiência humana é marcada pela alternância de estados despertos e de torpor. Se “horrorizar” é um dos sinais de percepção do lugar comum. Quem não se horroriza perde a capacidade de detectar algo além. Nossa insensibilidade se beneficia daquilo que não rompe, das ditas “boas ações” que não ferem os códigos morais. Cada vez que fazemos o esperado, reforçamos um padrão automático de torpor. Isso porque existe em nós uma tendência de querer agradar aos outros e à moral da nossa cultura. Despertamos quando conseguimos enxergar situações horríveis em nossa vida, tanto no plano particular como no social e cultural. Do horror surge uma nova forma de ser, de existir, uma nova forma de família, de tradição, etc.
Aqueles que se permitem sair do lugar comum, que quando se sentem distantes do que são mudam de emprego, refazem relações amorosas, abandonam os vícios, perdem os medos, se libertam, encontram sempre alguém com quem compartilhar esse novo local. Já o acomodado terá para sempre o pânico da solidão.
Um ser humano se sente plenamente satisfeito quando consegue ser honesto consigo e com o outro. Quando consegue estar em dia com o que lhe é correto, com o que lhe é bom. Porém esse correto e esse bom precisam sempre ser revistos. Somos seres mutáveis e em busca de algo que não vamos encontrar se permanecermos agindo e conduzindo as coisas da mesma forma. Nós somos capazes de construir e reconstruir, a cada instante, em busca do que é melhor. Todos os dias, temos a oportunidade para mudar o curso da nossa vida. Dar a volta e encontrar novas possibilidades, novos lugares, novos amores, novos “bons”. Surpreenda-se! Surpreender-se é a maior prova de poder de um ser humano. Surpreender os outros é fazer uso dos nossos truques já dominados; surpreender a si mesmo é ser um mago diante daquilo que nós julgávamos ser.
            O heroi de hoje é aquele que consegue sentir e seguir sua alma. É aquele que surpreende a si mesmo e seus poderes são tudo aquilo que ainda não foi feito, dito, visto, falado ou escutado. O futuro e a não-convencionalidade são o instrumento de poder desse heroi. Trair a nós mesmos e nos surpreender conosco é algo único e de grande força. As surpresas do relativo, das misturas, dos erros, das espontaneidades, fortalecem a alma e lhe fornecem seus nutrientes mais importantes: a evolução e a libertação. 

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Minha culpa, minha tão grande culpa





Sem culpa
O que é o homem? Um animal, não é mesmo?
Um lobo perdoado em sua carne,
Uma abelha inocente em sua copulação.
Archibald MacLeish

            Muitos de nós aprendemos, não somente dentro de casa, mas até por meio da religião, que somos responsáveis pela felicidade dos outros, usando uma postura de “tomar conta”, superproteger e até mesmo de se anular. Por conta disso, ao longo do tempo vamos desenvolvendo relacionamentos nada saudáveis – nunca nos preocupando com o que queremos, com a nossa vontade, nossos desejos, mas somente nos interessando por aquilo que os outros estão sentindo e pensando.
            Algumas pessoas carregam consigo lemas como “sua vontade é minha vontade”, “não permitirei jamais que você sofra”, “sua dificuldade é meu problema”, assumindo obrigações pelo bem-estar, comportamento, decisões, emoções, pensamentos e/ou mesmo pelo destino da outra pessoa. Esse ato de “tomar conta” traz consigo a ilusão de que as pessoas são “vítimas do mundo”, incapazes de cuidar de si mesmas e de que se é possível ter o controle da vida de quem amamos. Assim se elas sofrem, fracassam ou ficam doentes física ou mentalmente temos certeza de que é nossa culpa, de que, se tivéssemos agido de modo diferente ou melhor, sem dúvidas teríamos evitado o sofrimento que ela está passando.
           Essas atitudes são ditas salvacionistas, que podemos traduzir como uma maneira de agir subestimando a capacidade dos indivíduos de crescer, resolver seus problemas e evoluírem. Isso por conta do sentimento de culpa que, segundo Freud, “é o maior problema do desenvolvimento cultural”. O homem paga o progresso da cultura com a perda da felicidade que decorre desse sentimento. Ainda para Freud, toda vez que o homem tem que enfrentar os problemas de convivência, tendo a família como a célula matricial, os conflitos decorrentes irão se expressar através do que se denomina “complexo de Édipo”, pelo qual se introduz a consciência moral e surge o primeiro sentimento de culpa. Sabemos que, para ele, o nascimento da cultura vincula-se a um ato agressivo de morte ao pai primitivo que, uma vez consumado, satisfaz o ódio presente na ambivalência e o amor parece sob forma de arrependimento.
            No entanto, resolvemos nossos conflitos edipianos adquirindo uma consciência que, como nossos pais, limita e restringe. Essa consciência é o pai e a mãe instalados em nossa mente. Com o passar do tempo, vamos nos identificando com outras figuras como professores, amigos, superstars e herois, e nossos valores e tabus vão se modificando. No seu livro Perdas Necessárias, Judith Viorst diz que ao longo dos anos o aparecimento de habilidades cada vez mais complexas prepara o caminho para ideias morais mais complexas. Acredita-se hoje que os estágios do nosso raciocínio moral desenvolvem-se paralelamente ao do nosso processo de pensamento. Embora a consciência seja baseada em emoção e pensamento, embora sofra evolução e mudanças com o tempo e seja formada de sentimentos dos primeiros estágios e tenha uma expansão que ultrapassa os problemas de Édipo envolvendo-se em todo tipo de conflitos e preocupações, esse superego, essa parte do nosso eu que contém nossas restrições morais e nossos ideais, nasce das primeiras lutas contra paixões sem lei, da nossa submissão às leis humanas. E se violamos essas restrições morais ou abandonamos esses ideais, nossa consciência observa, censura, condena e se encarrega de nos fazer sentir culpa.
             Segundo Judith Viorst, não somos seres sem limites e jamais nos livraremos das barreiras impostas pelo proibido e pelo impossível – incluindo os limites impostos pela culpa. Pois, sejamos ou não as únicas criaturas capazes de sentir culpa, sem dúvida fazemos isso melhor do que as abelhas ou os lobos. E embora nossos sentimentos de culpa não tenham eliminado os Sete Pecados Mortais ou nos convencido a obedecer os Dez Mandamentos, certamente têm diminuído bastante nossa coragem de tomar algumas atitudes e decisões que nos aproximaram mais do nosso Self, da nossa verdade.
Por outro lado, embora a culpa nos prive de muitas sensações e experiências gratificantes, o mundo seria um caos total sem esse sentimento. Pois as liberdades tolhidas, as restrições e tabus hospedados no nosso superego são perdas necessárias, ou seja, o preço que pagamos pela civilização. A culpa saudável é adequada para vivermos em harmonia com o interno e o externo. Ela é adequada em quantidade e qualidade ao ato. Esta culpa leva ao remorso, mas não ao ódio por si mesmo. Evita a repetição do ato culposo sem isolar um vasto campo de nossas paixões ou prazeres. Precisamos reconhecer nossos atos moralmente errados. E precisamos conhecer e aceitar nossa culpa, mas jamais nos tornarmos prisioneiros dela.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Comunicando o não-dito

A diferença entre as palavras que as pessoas verbalizam e o nosso entendimento do que elas dizem vem da comunicação não-verbal. Umas das formas de comunicação não-verbal é a “linguagem corporal”. Ao desenvolvermos a compreensão dos sinais da linguagem corporal, poderemos mais facilmente compreender os outros, e mais eficazmente nos comunicarmos.
Às vezes sutilmente – outras vezes de forma não tão sutil – usamos de movimentos, gestos, expressões faciais, com partes ou de corpo inteiro, indicativos de algo. A forma como falamos, andamos, nos sentamos ou estamos diz sempre algo sobre nós, e o que quer que aconteça interiormente pode ser refletido exteriormente.
Tornando-se mais consciente da linguagem corporal e compreendendo o que possa significar, podemos aprender a ler as pessoas mais facilmente. Esta compreensão coloca-nos numa melhor posição para comunicar eficazmente. Mais ainda, melhorando a nossa capacidade de compreender os outros, podemos tornarmos mais ciente das mensagens que veiculamos para os outros.
          A maioria das pessoas acredita que a fala é ainda a nossa principal forma de comunicação. Em termos evolucionários, a fala só passou a fazer parte do nosso repertório de comunicação em tempos recentes, usada fundamentalmente para transmitir fatos e dados. Estima-se que ela tenha se desenvolvido há cerca de 2,5 milhões de anos, tempo durante o qual o nosso cérebro triplicou de tamanho. Antes disso, a linguagem corporal e os sons produzidos pela garganta eram as principais formas de transmissão de emoções e sentimentos humanos - e continuam sendo até hoje, embora a excessiva atenção dada às palavras faça com que sejamos profundamente desinformados a respeito da linguagem do corpo e da importância que ela tem em nossas vidas.
A linguagem falada reconhece a importância da linguagem corporal para a nossa comunicação. Os atores do cinema mudo, como Charles Chaplin, foram os pioneiros das técnicas de linguagem corporal, então o único modo de comunicação disponível na tela. A técnica de um ator era considerada boa ou má à medida que ele fosse capaz de usar gestos e sinais corporais para se comunicar com o público. Com a popularização do cinema falado e a conseqüente perda de importância dos aspectos não-verbais da representação, muitos atores do cinema mudo caíram na obscuridade. Só sobreviveram os que eram dotados de talentos verbais e não-verbais.
Albert Mehrabian, professor de psicologia da UCLA, pioneiro da pesquisa da linguagem corporal na década de 1950, apurou que em toda comunicação interpessoal cerca de 7% da mensagem é verbal (somente palavras), 38% é vocal (incluindo tom de voz, inflexão e outros sons) e 55% é não-verbal. A questão era o aspecto que você tinha ao falar e não o que realmente dizia.
O antropólogo Ray Birdwhistel, pioneiro do estudo da comunicação não-verbal, calculou que, em média, o indivíduo emite de 10 a 11 minutos de palavras por dia em sentenças com duração média de apenas 2,5 segundos e estimou também que somos capazes de fazer e reconhecer cerca de 250 mil expressões faciais.
Tal como Mehrabian, Birdswhistel descobriu que o componente verbal responde por menos de 35% das mensagens transmitidas numa conversação frente a frente; mais de 65% da comunicação é feita de maneira não-verbal.
A maioria dos pesquisadores hoje concorda que as palavras são usadas primordialmente para transmitir informações, ao passo que a linguagem corporal é usada para negociar atitudes interpessoais e, em alguns casos, como substituta das mensagens verbais. Por exemplo, quando uma mulher manda "aquele olhar" para um homem, está lhe transmitindo uma mensagem muito clara sem precisar abrir a boca.
Como qualquer outra espécie, somos ainda dominados por regras biológicas que controlam nossas ações, reações, linguagem corporal e gestos. O fascinante em tudo isso é que o animal humano raramente tem consciência de que suas posturas, movimentos e gestos podem contar uma história enquanto sua voz está contando outra.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

A compreensão além das palavras

Existe algo imprescindível para uma boa comunicação – ESCUTAR. Mais do que falar, do que saber colocar as palavras, saber escutar é algo raro. Uma qualidade de poucos. Mesmo porque na maioria das vezes ouvimos o outro e não o escutamos. Ouvir é uma atividade sensorial, um processo fisiológico, no qual conexões auditivas transmitem informações para o cérebro por meio, é claro, dos ouvidos. Escutar é um processo psicológico que denota um processo de interpretação e compreensão. Significa derivar sentido do que está sendo ouvido. Além do mais, escutar requer empatia, ou seja, estar livre de julgamentos. É estar conectado com o outro, estar presente no momento.
           A habilidade de escutar talvez seja a mais importante para a construção de relacionamentos bem sucedidos e está muito ligada a ter uma inteligência emocional desenvolvida. Carl Rogers, psicólogo humanista, disse que “a inabilidade do homem para se comunicar é resultado de sua falha para escutar de forma eficaz, com habilidade e compreensão do outro”.
           Para construir relacionamentos bem sucedidos são necessárias algumas competências, porém, antes de mais nada, precisamos estar dispostos a enfrentar questões dos outros que nem sempre nos agradarão. No entanto, quando vamos entendendo os sinais, o que o outro quer mais não diz, fica mais amena a convivência. Quando vamos aprendendo a escutar o outro de forma integral e integrada. É importante escutar o todo, não somente ouvir palavras.
Escutar é ouvir com a alma. É muito mais do que ficar em silêncio quando alguém está falando. É entender os pensamentos, os sentimentos e as ações de outras pessoas. É perceber o não dito.
Esses versos estão no livro de James Borg, A arte da persuasão:


Seus pensamentos eram lentos
Suas palavras, poucas
E nunca chegavam a brilhar
Mas ele levava a alegria
Onde quer que estivesse
Você precisava ouvi-lo escutar.

           Segundo James Borg, quando escutamos atentamente detectamos todo tipo de informação sobre as idiossincrasias das pessoas com quem lidamos. Para isso, é necessário remover todas as distrações da mente para que nos concentremos em quem fala. Essas distrações podem acontecer em forma de pensamentos, julgamentos e emoções.
           A comunicação entre as pessoas move e sustenta os relacionamentos. A forma como escutamos e reagimos às outras pessoas é determinante para promover os nossos relacionamentos. Ao escutar de forma empática, transmitimos ao outro o sinal de que estamos interessados em tudo que ele está dizendo e que estamos abertos para entender o seu ponto de vista.
           Uma técnica de comunicação muito interessante e que pode ajudar na busca por uma comunicação mais efetiva é a desenvolvida por Marshall B. Rosenberg, chamada CNV – Comunicação Não-Violenta. Numa das passagens do seu livro Comunicação Não-Violenta ele fala sobre escutar sentimentos e necessidades e diz que mais do que as palavras que as pessoas usam para se expressar, procuramos escutar suas observações e o que elas estão pedindo para enriquecer suas vidas.
           No livro, ele conta que em um dos seus seminários ele tem um diálogo com uma mulher que queria aprender a ouvir os sentimentos e necessidades por trás de algumas afirmações do marido. Ele sugeriu que ela adivinhasse seus sentimentos e depois os confirmasse com ele.


Declaração do marido: De que adianta conversar com você? Você nunca escuta.
Mulher: Você está insatisfeito comigo?
Marshall Rosenberg: Quando você diz “comigo”, está implicando que os sentimentos dele são resultado do que você fez. Eu preferiria que você perguntasse: “Você está insatisfeito porque está precisando de...?”, e não “Você está insatisfeito comigo?” Isso concentraria sua atenção no que está acontecendo dentro dele e diminuiria a probabilidade de você tomar a mensagem como pessoal.
Mulher: Mas o que eu poderia dizer? “Você está insatisfeito porque você...?” Porque você o que?
Marshall Rosenberg: Pegue sua pista a partir da mensagem do conteúdo do marido: “De que adianta conversar com você? Você nunca escuta.” Do que é que ele está precisando e não está conseguindo quando diz isso?
Mulher: (procurando demonstrar empatia com as necessidades que estão sendo expressas através da mensagem do marido) Você está se sentindo infeliz porque acha que eu não o compreendo?
Marshall Rosenberg: Observe que você está se concentrando no que ele está sentindo e não no que está precisando. Acredito que você achará as pessoas menos ameaçadoras se escutar o que elas precisam e não o que elas estão pensando a seu respeito. Em vez de ouvir que ele está infeliz porque acha que você não o escuta, concentre-se no que ele está precisando, dizendo: “Você está infeliz porque sente necessidade de...”
Mulher: (tentado de novo) Você está infeliz porque sente necessidade de ser escutado?
Marshall Rosenberg: Era isso que eu estava pensando. Faz alguma diferença para você ouvi-lo dessa maneira?
Mulher: Definitivamente, sim – uma grande diferença. Vejo o que está acontecendo com ele sem ouvir que eu fiz qualquer coisa errada.

            O diálogo mostra como temos dificuldade em nos concentrarmos nos sentimentos e necessidades dos outros quando estamos acostumados a assumir a responsabilidade por seus sentimentos e a tomar as mensagens como pessoais.
            Será que não chegou a hora de você tentar se concentrar na necessidade do outro e exercer a empatia?  Quando escutamos com empatia fazemos com que o outro se sinta à vontade para se conectar conosco desprovido de defesas. Assim teremos mais sucesso na comunicação e, consequentemente, nos nossos relacionamentos.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Nos iludimos por que queremos ou por que precisamos?




 “Somos nós mesmos que nos iludimos, por querer que os outros dêem o que não podem e ajam como imaginamos que devam agir” Francisco E.S. Neto

            Nossas experiências são únicas, são o que temos, o que levamos conosco, como também são únicas nossas reações. Constantemente criamos fantasias em nossa mente, bloqueamos nossa consciência e recusamos a aceitar a verdade, nossas próprias verdades. Não queremos enxergar o que está na nossa frente.
            Para não enxergar determinadas verdades usamos os mais variados mecanismos de defesa, seja de forma consciente, seja de forma inconsciente. Isso tudo para evitar ou reduzir os eventos, os fatos, os acontecimentos da nossa vida que nos são inadmissíveis por questões nossas, pelo contexto que vivemos ou mesmo por medo.
 A sensação de que podemos controlar a nossa vida, a vida dos outros e o mundo a nossa volta é uma das mais frequentes ilusões. Nem sempre é fácil diferenciar a ilusão de controlar e a realidade de amar e de compreender.
A consciência humana está quase sempre envolvida por ilusões que impossibilitam, por um lado, a capacidade de autopercepção; por outro, dificultam o contato com a realidade das coisas e pessoas. Uma amiga uma vez me disse que “tem pessoas que precisam de menos para controlar mais”. Essa frase ficou martelando na minha cabeça. De fato, quanto menor a intensidade do que sentimos, quanto menos sentimos, mais fácil o controle da situação e mais sob controle estamos no sentido das nossas expectativas. Temos a falsa ilusão que podemos controlar ou que o mundo externo está sob o nosso controle, mesmo nesse caso.
É claro que quanto menos sentimos mais estamos conscientes do que acontece, tanto conosco como com o outro. Estamos mais atentos e conectados com o mundo ao nosso redor. No entanto, quanto menos se sente, menos se espera, menos se quer e, em contrapartida, menos se vive no sentido de experimentar sensações, de se surpreender e de se permitir a entrega.
Existem pessoas que escolhem viver com menos e se sentem bem, tranquilas, seguras e prezam a zona de conforto. Não existe certo e errado nas escolhas. O importante é estarmos felizes e satisfeitos com elas e que não culpemos ninguém pelos nossos desacertos, pelas nossas ilusões, pelos caminhos que escolhemos seguir, pois são nossos. E os únicos responsáveis pela vida que temos e pelas experiências que vivemos somos nós mesmos, sejam elas mornas, quentes ou frias, conscientes ou não, reais ou ilusórias.