quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

O que você está dizendo?



“As pessoas não são perturbadas pelas coisas, mas pelo modo que as veem”. Epicteto

“Quando expressamos nossas necessidades de forma clara para o outro, temos mais chances de vê-las satisfeitas”. Marshall B. Rosenberg

            No seu livro Comunicação Não-Violenta, Marshall B. Rosenberg diz que nossos sentimentos resultam de como escolhemos receber o que os outros dizem e fazem, bem como de nossas necessidades e expectativas específicas naquele momento. Temos que aceitar a responsabilidade pelo que fazemos para gerar os nossos próprios sentimentos. Estamos acostumados a pensar no que há de errado com as outras pessoas sempre que nossas necessidades não são satisfeitas. No entanto, quando começamos a conversar sobre o que precisamos, em vez de falarmos sobre o que está errado com o outro, a possibilidade de encontrar maneiras de atender às necessidades de todos, tanto a minha como a do outro, aumenta consideravelmente.
            O sucesso numa comunicação e, consequentemente nos nossos relacionamentos, pode depender muito de dizer a coisa certa no momento certo. James Borg no seu livro A Arte da Persuasão, diz que a linguagem pode influenciar os pensamentos, e as palavras são as ferramentas que podemos usar para criar imagens mentais. As palavras podem ser usadas para moldar e, muitas vezes, distorcer a forma como pensamos. Elas podem comunicar muito mais do que fato e ideias. Cuidadosamente escolhidas, as palavras, podem pintar quadros mentais que emergem sentimentos e emoções. Como escreveu Mark Twain: “A diferença entre a palavra certa e a palavra quase certa é a diferença entre o raio e o vagalume”.
            A Psicolingüística, que estuda as conexões entre a linguagem e a mente, analisa qualquer processo que diz respeito à comunicação humana, mediante o uso da linguagem (seja ela de forma oral, escrita, gestual etc.). Essa ciência também estuda os fatores que afetam a decodificação, ou seja, as estruturas psicológicas que nos capacitam a entender expressões, palavras, orações, textos. A comunicação humana pode ser considerada uma contínua percepção-compreensão-produção. Pesquisadores dessa área observam como as palavras afetam nossas mentes e emoções.
            Quando queremos transmitir uma mensagem criamos na nossa mente uma imagem que é traduzida em palavras. Então, no papel de emissor (codificador), transmitimos essa mensagem ao receptor (decodificador). Ele, por sua vez, absorve as palavras e as traduz em uma imagem – a própria imagem dele do que foi dito. Ele é quem decide o que essa imagem quer dizer. A interpretação acontece na mente dele, de acordo com suas emoções do momento, contexto, história, etc. Se o que dissemos não foi absorvido pelo receptor da mesma forma como construímos a imagem mental, a comunicação não foi eficaz. É importante que utilizemos a linguagem do outro para obtermos sucesso na comunicação. E para isso, perceber, observar, conhecer o outro é fator fundamental para uma comunicação de sucesso. É claro que, com o fato da natureza humana ser algo tão complexo, é impossível saber como as palavras serão interpretadas e, portanto, recebidas. Mas, se formos capazes de entrar na mente da pessoa, podemos escolher as palavras com as melhores chances de produzir o efeito desejado.
             A questão neste caso é que temos dificuldade em comunicar o que queremos. Devemos expressar o que estamos pedindo, e não o que não estamos pedindo. Marshall Rosenberg dá um exemplo claro dessa dificuldade de comunicação:

Num seminário, uma mulher, frustrada porque o marido estava passando tempo demais no trabalho, descreveu como seu pedido tinha se voltado contra ela: “Pedi que ele não passasse tanto tempo no trabalho. Três semanas depois, ele reagiu anunciando que havia se inscrito num torneio de golfe!” Ela havia comunicado a ele com sucesso o que ela NÃO queria – que ele passasse tanto tempo no trabalho -, mas tinha deixado de pedir o que ela realmente queria. Solicitada a reformular seu pedido, ela pensou por um minuto e disse: “Eu queria ter-lhe dito que desejava que ele passasse pelo menos uma noite por semana em casa comigo e com as crianças”.

Além de utilizarmos uma linguagem positiva, devemos evitar frases vagas, abstratas ou ambíguas e formular nossas solicitações na forma de ações concretas para que os outros possam entender e realizar. É sempre importante estar atento às palavras, assim evitamos inconvenientes e o esforço de desfazer deslizes verbais. Claro que não devemos perder a naturalidade, a espontaneidade e a emoção na comunicação. Portanto, garanta que a mensagem pretendida seja transmitida com as palavras certas e no momento certo. Certas palavras podem ser adequadas em uma ocasião, e não em outra. Para tanto, o cuidado e a empatia com o outro são fundamentais, caso contrário às palavras podem virar contra você mesmo.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Porque era ele, porque era eu...


Se insistem para que eu diga por que eu o amava, sinto que isso só pode exprimir-se respondendo: “Porque era ele; porque era eu”. Montaigne
             
            Quem é aquela pessoa que eu amo e considero único e insubstituível? Essa pessoa que nos seduz, isto é, que desperta e atiça nosso desejo nos fará progressivamente nos apegarmos a ela, até incorporá-la e fazer dela uma parte de nós mesmos. Nós a envolvemos com os nossos conteúdos. Segundo J. D. Nasio, nós a envolvemos com uma multidão de imagens superpostas, cada uma delas carregada de amor, de ódio ou de angústia, e a fixamos inconscientemente através de uma multidão de representações simbólicas, cada uma delas ligadas a um aspecto que seu eu nos marcou. Todo esse Universo que criamos faz parte da “fantasia”. Psicanaliticamente essa fantasia é o nome que damos à sutura inconsciente do sujeito com a pessoa eleita. Essa sutura operada no meu inconsciente é uma liga de imagens e significantes vivificada pela força real do desejo que o amado suscita em mim, e que eu suscito nele, e que nos une.
            Nasio diz que, a pessoa deixa de ser uma instância exterior, para viver também no interior de nós, como um objeto fantasiado que recentra nosso desejo, tornando-o insatisfeito no limite do tolerável. O ser que mais amamos continua sendo inevitavelmente o ser que mais nos insatisfaz. A insatisfação do desejo se traduz na realidade cotidiana do casal pela atração pelo outro, mas também pelo descontentamento em relação à ele. Isso porque a fantasia predomina nas nossas relações, todos os nossos comportamentos, a maioria dos nossos julgamentos e o conjunto dos sentimentos que experimentamos em relação ao amado são rigorosamente determinados por ela. Só captamos a realidade do outro através da lente deformante da fantasia. Só o olhamos, sentimos, escutamos ou tocamos envolvido no véu tecido pelas imagens nascidas da fusão complexa entre a sua imagem e a imagem de nós mesmos.
            Essa insatisfação que sentimos é decorrente de um deslocamento do passado para o presente e de objetos antigos para o atual. De alguma forma, o presente está unido ao passado e o parceiro atual representa uma ou mais pessoas importantes dos tempos mais remotos, ainda que tais lembranças tenham sido inteiramente banidas da consciência. Segundo Judith Viorst, nossas primeiras lições de amor e a história do nosso desenvolvimento moldam as expectativas que temos nos nossos relacionamentos. Geralmente, estamos conscientes de esperanças não realizadas, mas levamos também os desejos inconscientes e os sentimentos mal resolvidos da infância, e, orientados pelo nosso passado, fazemos exigências nos nossos relacionamentos sem perceber que estamos fazendo. Qualquer relacionamento significativo, por mais realista que seja, implica essa mistura entre passado e presente, realidade e fantasia.
            E é nos braços do nosso verdadeiro amor que procuramos unir os anseios e objetivos do desejo do passado. Muitas vezes, odiamos nosso companheiro ou companheira por não satisfazer esses desejos antigos e impossíveis. Porém, segundo Freud, nossas motivações inconscientes para as atrações amorosas e sexuais, parte dessa ideia de que repetimos determinados estereótipos, padrões, clichês conforme nossa bagagem de modelos que tivemos na formação infantil.
            Segundo estudos do neurocientista Joseph LeDoux sobre a amígdala - o nosso repositório de memória emocional que examina a experiência, comparando o que acontece com aquilo que se viveu no passado – confirmam o pensamento psicanalítico, na medida em que “as interações dos primeiros anos de vida estabelecem um conjunto de lições elementares, baseadas na sintonia e nas perturbações nos contatos entre criança e os que cuidam dela”. Esses aprendizados estão armazenados na amígdala e do ponto de vista da vida adulta são tão difíceis de entender. Segundo Iara Camaratta Anton, essas memórias, essas “marcas mnêmicas” contêm experiências vitais, anteriores à compreensão e à expressão verbal. São experiências referentes a questões de sobrevivência, a sensações de segurança e prazer. No futuro, ao serem estimulados, esses registros reaparecem acompanhados por intensas cargas de sentimento, plenas de significados muito primitivos e inconscientes. Objetos atuais evocam memórias e disparam sentimento, criando cenários e distribuindo papéis em histórias de amor e paixão. As atrações e os encontros são, portanto, resultado de um jogo de projeções: vemos naquele que nos chama a atenção o que está e nós, o que faz parte de nossa história.
            É preciso saber que quando amamos alguém, amamos um ser híbrido, constituído ao mesmo tempo pela pessoa exterior com que convivemos no exterior e pela sua presença fantasiada e inconscientemente em nós. E reciprocamente, diz Nasio, somos para ele o mesmo ser misto feito de carne e inconsciente, uma parte de nós mesmos, que chamamos de “fantasia inconsciente”. No entanto, essa parte não está confinada no interior da nossa individualidade, ela se estende no espaço intermediário e nos liga intimamente ao seu ser e ele se liga da mesma forma.
Podemos aprender por meio das relações, a nos conhecer mais, a entrar em contato com a nossa sombra, com o nosso passado e fazer do nosso presente com o outro um pouco mais real, dentro das nossas possibilidades e limites. E com o tempo enfrentaremos a certeza daquilo que nunca poderemos esperar um do outro. Podemos, embora com menos frequência, caminhar sob as estrelas e viajar pela lua, curvando-nos aos limites e às fragilidades do amor. E sermos gratos por encontrar no relacionamento amoroso daquele momento um pouco das pessoas amadas do nosso passado; gratidão por receber no relacionamento amoroso daquele momento um pouco do que jamais tivemos no passado e, gratidão pela sensação de ser conhecido e compreendido pela pessoa amada. 

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Mudar é aceitar que queremos ser quem somos


O I Ching nos diz: “Somente quando tivermos coragem para encarar as coisas exatamente como elas são, sem decepção pessoal ou ilusão, uma luz se desvendará dos acontecimentos, através da qual o caminho para o sucesso será reconhecido”.


Diante de tanto avanço tecnológico, de conquistas gloriosas, de quebras de paradigmas por que o ser humano ainda insiste em padrões que caminham para uma direção contrária ao seu desejo, distante de si e da felicidade? A mudança é provocada pelo homem, mas não acontece no homem.  O receio da mudança chega a ser até algo místico, no sentido de ser supersticioso. Acreditamos que se mudarmos determinado comportamento uma catástrofe irá acontecer. Seria comparando, no sentido figurado, como as pessoas que sofrem do Transtorno Obsessivo Compulsivo – TOC, onde elas desenvolveram algumas manias que não sendo praticadas causam uma sensação de que algo ruim irá acontecer. Assim, lidamos frente às mudanças que sabemos que precisamos enfrentar para sairmos de um padrão de repetição, onde obtemos sempre os mesmos resultados e, permanecemos infelizes com isso.
No entanto, mudar comportamentos, hábitos não é uma tarefa fácil. Diria até que é uma grande missão, porém não é uma missão impossível. Primeiro ponto é que temos que querer fazer diferente, temos que ter esse desejo, esse objetivo muito forte e certo. Segundo é preciso ter coragem. Coragem para enfrentar opiniões contrárias, para cair (se necessário) e principalmente, para enfrentar sua sombra, suas fragilidades e verdades. E em terceiro lugar, muita, mais muita persistência, que deve vir acompanhada de muita disciplina e determinação.
O que acontece é que nos escondemos atrás de uma máscara, ou melhor, infinitas máscaras e construímos uma personalidade para ocultar quem realmente somos ou quem desejamos ser. Gastamos uma energia absurda diariamente para criar uma fachada, para que ninguém descubra nossos pensamentos sombrios, desejos, impulsos e histórico pessoal. Na maioria das vezes, estamos correndo na direção contrária a que somos, por medo de ferir o outro, por medo de não ser aceito, por medo que descubram nossas falhas mais profundas. Esta personalidade que construímos está incumbida de esconder todas as partes indesejadas e inaceitáveis de nós mesmos, inclusive aquelas que não aceitamos.
Segundo Debbie Ford, se fomos magoados por pais emocionalmente imprevisíveis, talvez tenhamos que trabalhar muito para transmitir a imagem de uma pessoa calma e equilibrada, se tivemos dificuldade de aprendizagem enquanto crescíamos, talvez criemos uma personalidade terna, excessivamente amorosa, para que os outros não percebam a deficiência que acreditamos ter. Se nos envergonhamos de ser filho adotivo, talvez nos tornemos trabalhadores altamente motivados, que sempre se vestem impecavelmente e são bem articulados. A imagem que criamos é elaborada pelas partes feridas, confusas ou repletas de dor. Embora isso possa enganar os outros, e até nós mesmos, por um tempo, acabaremos sendo confrontados pelos ferimentos que essa máscara destinava esconder. Por isso, a mudança é uma grande missão, onde é imprescindível um mergulho profundo em questões que nem sempre estamos preparados para enfrentar. Caso contrário, a mudança não será permanente.
É contraditório nosso processo de querer evoluir, pois caminhamos na direção oposta. Trabalhamos duro não para sermos quem queremos ser, mas para compensar as partes que julgamos inaceitáveis, torcendo para ludibriar os outros e nos livrar dos sentimentos ruins que foram associados a eles. Se nos sentimos permeados pela insegurança, podemos ter desenvolvido uma personalidade arrogante, que tudo sabe, para convencer os outros de que temos uma imensa confiança. Se nos sentimos impotentes, talvez tenhamos escolhido uma carreira ou um parceiro que nos permita parecer mais poderosos. E o pior é que nos enganamos achando de que não há nada que não conhecemos a nosso respeito, de que somos, de fato, a pessoa que vemos no espelho. Será? Tornamo-nos cegos às imensas possibilidades de nossa vida.
Para Debbie Ford, somente quando paramos de fingir ser o que não somos – quando já não sentimos mais a necessidade de nos esconder ou compensar por nossa fraqueza ou nossos talentos – conheceremos a liberdade de expressar o autêntico “eu”, tendo habilidade para escolher com base na vida que verdadeiramente desejamos viver. Sem perceber, nos posicionamos para provar que somos mais, melhores ou diferentes que o restante, ou tentamos ficar invisíveis para nos adequar sem chamar atenção. Esforçamo-nos para criar justamente a persona que acreditamos que nos trará a aprovação e o reconhecimento que desesperadamente precisamos ou, de modo alternativo, que nos dê uma desculpa para não viver na íntegra uma vida que amamos. Para não viver dentro dessas máscaras é preciso ter coragem para se enfrentar de verdade. É preciso querer fazer diferente. É preciso aceitar que mudar é fundamental para que não percamos de vista quem realmente somos e que possamos estar abertos às possibilidades para a nossa vida. Precisamos abraçar a nossa sombra para que possamos conhecer a liberdade de viver uma vida transparente, mas próxima do que somos, para nos sentirmos livres o suficiente e convidarmos os outros a entrar em nossa vida, sem que sejamos tomados pelo medo de termos uma recaída e voltarmos a expor a pessoa que vínhamos tentando não ser. Somente na presença do compromisso inabalável de enfrentar nossos demônios é que a porta para a descoberta pessoal se abre. Afinal, todos temos dentro de nós um lugarzinho onde secretamente desejamos ser mais, experimentar mais. Mudar é ter a coragem para aceitar que queremos ser quem somos.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Eu e o outro: uma relação de eterno aprendizado





Como se relacionar com o outro de uma forma que as duas partes sintam-se atendidas em suas necessidades? Como manter relacionamentos diante das constantes mudanças e oportunidades que temos no nosso dia-a-dia? Embora sejamos seres pertencentes a uma sociedade, o relacionamento com o outro acompanha essas mudanças? E mesmo que a forma de relacionamento tenha sofrido algumas modificações, por conta das redes sociais, a globalização, celular, aplicativos, entre outros meios, a essência do relacionamento, o travar conhecimento com pessoas, fazer amizades, continua sendo o nosso desafio de sucesso.
Quantas pessoas conhecemos que são bem sucedidas, que bateram suas metas profissionais, que possuem mestrado, doutorado, e não conseguem ter sucesso nos seus relacionamentos. Sejam relacionamentos de amizade, profissionais e/ou afetivos. Construir relacionamentos, manter relações pode ser para muitas pessoas algo distante. Afinal, podemos aprender todas as outras coisas na vida: ciência, matemática, português, música, artes, trocar uma lâmpada, cozinhar, mas não aprendemos a matéria mais importante para a vida humana: como nos relacionarmos. Essa é uma matéria que cada um aprende por conta própria, com erros e acertos, simplesmente como uma consequência do crescimento, e é fato que não estamos fazendo um trabalho nada bom, visto a quantidade de pessoas insatisfeitas, infelizes e perdidas neste aspecto.
Segundo Subhash Puri no seu livro Separações Silenciosas, as relações humanas certamente estão uma confusão, sejam faladas ou silenciosas, mudas ou verbalizadas, e todos nós o sabemos. Todos nós podemos vê-las, senti-las e captá-las no ar; elas nos rodeiam. Existe uma profunda sensação de desarmonia e infelicidade reinando em nossos relacionamentos. Um irmão está magoado com o outro, as madrastas estão constantemente discordando de suas enteadas, os casais vivem implicando um com o outro, os amigos sentem raiva um do outro e não se entendem; o filho não quer ouvir o pai, e por aí vai. E isto ocorre mesmo sendo os relacionamentos uma parte essencial e irrevogável da vida.
E por que, sendo os relacionamentos fundamentais para nossa sobrevivência e bem-estar, não conseguimos alcançar o sucesso? A questão é que os relacionamentos são feitos por pessoas. São as interações entre estas duas pessoas, e não entre duas bocas ou duas ações. Sendo assim, a questão está em se perceber e perceber o outro como uma pessoa que é orientada por seus sentimentos, sua mente e emoções e um conjunto de características da personalidade, algumas herdadas e outras adquiridas ao longo de interações com a sociedade em que vivemos.
Como disse, um relacionamento é simplesmente uma questão entre duas pessoas: você e o outro. A saúde deste relacionamento depende muito de como nos ligamos ao outro, como nos tratamos, como entendemos os sentimentos um do outro, o quanto somos sensíveis às necessidades dele e assim por diante. Segundo Puri, a harmonia dos nossos relacionamentos é medida pela distância entre nós – a “distância mental”. Quanto maior a distância, mais infeliz será o seu relacionamento, mesmo quando ele está fisicamente intacto. Essa distância nas relações é criada pelas nossas ideias, sentimentos e percepções acerca do “outro”. A partir do momento que entendemos e aceitamos que o outro não é simplesmente o “outro”, mas alguém como nós, reduziremos essa distância.
Para tanto, antes de tentar entender o outro, precisamos nos conhecer, nos olhar. O autoconhecimento é, sem dúvida, um caminho para a melhora nos relacionamentos. Precisamos estar conscientes de que uma pessoa não pode existir sem a outra e de que somos nós os responsáveis pelo caminho que nossas relações vão tomar, sem culpar o outro pela desarmonia ou fracasso da relação. A relação é a interação. Não existe um culpado. Existem os responsáveis por essa “terceira pessoa”, por essa “construção” onde colocamos o que somos.
Se quisermos ser mais do que somos, se quisermos utilizar o máximo do nosso potencial, se quisermos evoluir nas nossas relações, precisamos estar em constante treinamento. O se conhecer precisa ser o exercício diário da observação dos nossos sentimentos, pensamentos e comportamentos. É como praticar um esporte ou exercer qualquer atividade que não dominamos. É importante a prática, a dedicação e saber aonde queremos chegar. Cometeremos muitos erros conosco e com os outros. No entanto, errar na busca pelo acerto é mérito de quem quer evoluir, crescer e alcançar um dos mais difíceis lugares no pódio: o topo nas relações com os outros.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

O olhar do outro como parte da construção do meu ser




O que faz a vida ser vida é a possibilidade que temos de transformação, de podermos estar sendo a cada dia, nos construindo. Um dos fundamentos do existencialismo é de que a “existência precede a essência”. O que significa dizer que, num primeiro momento, o homem existe, encontra a si mesmo, surge no mundo e só posteriormente se define. Seremos aquilo que fizermos de nós mesmos. Segundo Jean Paul Sartre, o homem é tão-somente, não apenas como ele se concebe, mas também como ele se quer; como ele se concebe após a existência, como ele se quer após esse impulso para a existência. O homem nada mais é do que aquilo que ele faz de si mesmo: é esse é o primeiro princípio do existencialismo. Sendo assim, somos responsáveis pela nossa existência. Somos fruto das nossas escolhas, conscientes ou não.
Segundo o existencialismo dizer que o homem é responsável por si mesmo é também dizer que ele é responsável por todos os homens. Escolher ser isto ou aquilo é afirmar, concomitantemente, o valor do que estamos escolhendo. O meu querer não forma apenas quem eu quero ser, mas reflete em toda a sociedade, no meio que eu vivo, nas pessoas que eu amo.  Iremos sempre procurar escolher o bem para nós mesmos e nada pode ser bom para nós sem o ser para todos. Sempre que escolho algo, escolho para mim e para os outros e isso me gera a angústia de saber que sou responsável também pelos outros. Por isso, o existencialismo diz que o homem é angústia. Como nos diz Sartre o homem que se engaja e que tem consciência de que ele não é apenas aquele que ele escolheu ser, mas também um legislador que escolhe simultaneamente a si mesmo e a humanidade, não tem como escapar deste sentimento de profunda responsabilidade. O homem então se vê em conflito com seus sentimentos.
Segundo Thana Mara de Souza além de mostrar tão bem como o homem se vê perdido em sua época, Sartre revela em seus romances outra questão essencial: a revolta em relação ao que chama de “moral burguesa”, que nos obriga a agir de determinado modo e estabelece o que é certo e o que é errado. Nesta moral burguesa tudo se encaixa perfeitamente – somos quem podemos ser – somos o que a sociedade nos permiti ser. Dentro dessa moral, qualquer ato serve para nos enquadrar em estereótipos: esse é inteligente, aquele é rebelde, aquele outro é normal, aquele outro é louco. Com base nessas classificações somos rotulados: se eu sou “rebelde” tudo que eu faço deve ser criticado e condenado pelo fato de eu ser rebelde; ao contrário se eu for “inteligente”, todos os meus atos devem ser inteligentes, e se algum não for a censura é imensa.
Sartre critica essa moral que pretende aprisionar o homem em definições e tirar sua liberdade. Diz que essa liberdade implica responsabilidade, pois se somos livres para escolher o que queremos ser, devemos assumir essa escolha, não temos como negarmos essa liberdade e fingirmos não ser responsáveis, embora seja mais confortável fazer isso.
Se eu utilizo deste pretexto de que a sociedade funciona desta forma e não posso querer ser diferente do meu grupo segundo Sartre eu uso de má-fé. Na sua obra O Ser e o Nada, há alguns trechos onde Sartre exemplifica o que ele chama de má-fé, por exemplo, a história dos dois jovens que caminham pela rua e o rapaz paquera a moça, em dado momento ele pega a mão dela e ela não sabe exatamente o que fazer: se retira a mão e recusa o rapaz de quem gosta ou deixa a mão e aceita as consequências desse ato. Ela escolhe fazer os dois e nenhum dos dois: deixa o rapaz segurar sua mão como se isso não significasse nada, como se isso não quisesse dizer que estava interessada. Desse modo, a moça pensa ter uma desculpa caso o rapaz deseje insistir mais: o que ela quer dizer para ele é que permitiu que ele segurasse sua mão, mas ao mesmo tempo não quis assumir a consequência do seu ato.
Embora o homem não seja um efeito, um resultado, um produto da história, da política, seja o que for nada existe pelo e para o homem, nenhum sistema, nenhuma política, nem história, nada o anula. Claro que Sartre reconhece que somos seres históricos e que a história nos modela, no entanto, afirma que nenhum sistema existe por si mesmo.
No livro de Sigmund Freud chamado Totem e Tabu fica claro a questão da formação da sociedade de suas regras, proibições, evitações e delimitações, por conta do Complexo de Édipo. Os dois tabus fundamentais – não matar o animal totêmico e não cometer incesto são a base da sociedade em que vivemos até os dias de hoje. Segundo Menezes, o horror ao incesto, por exemplo, tem uma função pedagógica, no sentido em que obrigava o homem primitivo a criar estratégia para evitar a violência que a expressão sem barreira de seus desejos provocariam não somente para a própria pessoa como também para os outros, sendo que a partir do momento que escolho para mim escolho para o outro. E lidar com as nossos desejos mais primitivos, com os limites e ao mesmo tempo saber que existe um outro que pode ser atingido pelas minhas escolhas gera a dolorida angústia de ser livre. Sendo assim eu posso escolher não fazer o que eu quero, pois como nos diz Freud existe uma ambivalência na atitude do homem – ele deseja e detesta aquilo que é proibido. A base do tabu seria uma ação proibida, embora existe no homem o desejo de violá-lo. Porém, muitas vezes o medo é mais forte do que o desejo, ou na visão sartreana a escolha pelo medo prevalece até por ter a consciência que eu faço parte de um todo e que irei sofrer as consequências do meu ato.
O homem é responsável pela sua história, pela história dos outros, do mundo. Ele é uma singularidade que filtra as determinações gerais da história e desta responsabilidade ele não pode abdicar, pois isso seria hipotecar a sua liberdade, seria agir de má-fé. Apesar de toda determinação histórica não há como abdicar da liberdade. Se nos abdicamos dela estamos abrindo mão do nosso ser. Isso é uma responsabilidade ética. Quem abre mão da sua liberdade comete uma traição a si próprio.
Vamos nos construindo, assim como o mundo a nossa volta, por meio das nossas ações. São elas que nos definem. Devemos nos comprometer com a nossa vida e entender que o que conta é a realidade. Os sonhos, as esperanças, as esperas só permitem que o homem se defina como um sonho malogrado, como esperanças abortadas, como esperas inúteis. Que ele se defina como algo no mundo das ideias, que ele se defina em negativo e não em positivo. Sartre diz que “somos nada mais do que nossa vida”, isso não implica que o artista seja julgado unicamente por suas obras de arte; mil outras coisas contribuem igualmente para defini-lo, ou seja, somos uma série de empreendimentos, a soma, a organização, o conjunto das realizações que constituem esses empreendimentos.
E a partir da nossa construção, da nossa realização do projeto de ser, vamos também descobrindo os outros como sendo a própria condição de sua existência. Só podemos ser alguma coisa, no sentido em que se diz que alguém é alegre, ciumento, bom ou mau, se os outros nos reconhecerem como tal. Para obter qualquer verdade sobre mim é necessário que eu considere o outro. Ele é indispensável à minha existência tanto quanto, aliás, ao conhecimento que tenho de mim mesmo. Minhas escolhas interferem no todo se pensarmos que estamos conectados, que toda ação tem uma reação por menor que seja. A nossa responsabilidade como seres humanos é muito maior do que poderíamos supor, pois minhas escolhas refletem no todo e engajam a humanidade inteira.

REFERÊNCIAS


BUENO, Isaque José.  Liberdade e ética em Jean-Paul Sartre. Rio Grande do Sul, 2007.117p. Dissertação apresentada como requisito para a obtenção do título de Mestre em Filosofia pelo Programa de Pós-graduação em Filosofia da Faculdade de Filosofia e Ciencias Humanas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Disponível em ˂http://tede.pucrs.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=832˃ Acesso em 12/11/2009.


BURDZINSKI, Júlio César. Má-fé e autenticidade: um breve estudo acerca dos fundamentos ontológicos da má-fé na obra de Jean Paul Sartre. Rio Grande do Sul, Editora UNIJUÍ, 1999.


PEREIRA, Deise Quintiliano. Sartre Fenomenológico. Revista psi. Estudos e pesquisas em psicologia, RJ, Ano 8, nº2, p. 277-288, 2008. Disponível em ˂ http://www.revispsi.uerj.br/v8n2/artigos/pdf/v8n2a12.pdf˃ Acesso em 12/11/2009.



MOUTINHO, Luiz Dammos Santos. Sartre: existencialismo e liberdade. São Paulo: Moderna, 1995.


SARTRE, Jean Paul. O ser e o nada: ensaio de ontologia fenomenológica. Tradução de Paulo Perdigão. 12ªed. Petrópolis: Vozes, 2003.


_______________ . O Existencialismo é um humanismo. Trad. Vergílio Ferreira. São Paulo: Abril Cultural, 1978. (Os pensadores).