quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Minha culpa, minha tão grande culpa





Sem culpa
O que é o homem? Um animal, não é mesmo?
Um lobo perdoado em sua carne,
Uma abelha inocente em sua copulação.
Archibald MacLeish

            Muitos de nós aprendemos, não somente dentro de casa, mas até por meio da religião, que somos responsáveis pela felicidade dos outros, usando uma postura de “tomar conta”, superproteger e até mesmo de se anular. Por conta disso, ao longo do tempo vamos desenvolvendo relacionamentos nada saudáveis – nunca nos preocupando com o que queremos, com a nossa vontade, nossos desejos, mas somente nos interessando por aquilo que os outros estão sentindo e pensando.
            Algumas pessoas carregam consigo lemas como “sua vontade é minha vontade”, “não permitirei jamais que você sofra”, “sua dificuldade é meu problema”, assumindo obrigações pelo bem-estar, comportamento, decisões, emoções, pensamentos e/ou mesmo pelo destino da outra pessoa. Esse ato de “tomar conta” traz consigo a ilusão de que as pessoas são “vítimas do mundo”, incapazes de cuidar de si mesmas e de que se é possível ter o controle da vida de quem amamos. Assim se elas sofrem, fracassam ou ficam doentes física ou mentalmente temos certeza de que é nossa culpa, de que, se tivéssemos agido de modo diferente ou melhor, sem dúvidas teríamos evitado o sofrimento que ela está passando.
           Essas atitudes são ditas salvacionistas, que podemos traduzir como uma maneira de agir subestimando a capacidade dos indivíduos de crescer, resolver seus problemas e evoluírem. Isso por conta do sentimento de culpa que, segundo Freud, “é o maior problema do desenvolvimento cultural”. O homem paga o progresso da cultura com a perda da felicidade que decorre desse sentimento. Ainda para Freud, toda vez que o homem tem que enfrentar os problemas de convivência, tendo a família como a célula matricial, os conflitos decorrentes irão se expressar através do que se denomina “complexo de Édipo”, pelo qual se introduz a consciência moral e surge o primeiro sentimento de culpa. Sabemos que, para ele, o nascimento da cultura vincula-se a um ato agressivo de morte ao pai primitivo que, uma vez consumado, satisfaz o ódio presente na ambivalência e o amor parece sob forma de arrependimento.
            No entanto, resolvemos nossos conflitos edipianos adquirindo uma consciência que, como nossos pais, limita e restringe. Essa consciência é o pai e a mãe instalados em nossa mente. Com o passar do tempo, vamos nos identificando com outras figuras como professores, amigos, superstars e herois, e nossos valores e tabus vão se modificando. No seu livro Perdas Necessárias, Judith Viorst diz que ao longo dos anos o aparecimento de habilidades cada vez mais complexas prepara o caminho para ideias morais mais complexas. Acredita-se hoje que os estágios do nosso raciocínio moral desenvolvem-se paralelamente ao do nosso processo de pensamento. Embora a consciência seja baseada em emoção e pensamento, embora sofra evolução e mudanças com o tempo e seja formada de sentimentos dos primeiros estágios e tenha uma expansão que ultrapassa os problemas de Édipo envolvendo-se em todo tipo de conflitos e preocupações, esse superego, essa parte do nosso eu que contém nossas restrições morais e nossos ideais, nasce das primeiras lutas contra paixões sem lei, da nossa submissão às leis humanas. E se violamos essas restrições morais ou abandonamos esses ideais, nossa consciência observa, censura, condena e se encarrega de nos fazer sentir culpa.
             Segundo Judith Viorst, não somos seres sem limites e jamais nos livraremos das barreiras impostas pelo proibido e pelo impossível – incluindo os limites impostos pela culpa. Pois, sejamos ou não as únicas criaturas capazes de sentir culpa, sem dúvida fazemos isso melhor do que as abelhas ou os lobos. E embora nossos sentimentos de culpa não tenham eliminado os Sete Pecados Mortais ou nos convencido a obedecer os Dez Mandamentos, certamente têm diminuído bastante nossa coragem de tomar algumas atitudes e decisões que nos aproximaram mais do nosso Self, da nossa verdade.
Por outro lado, embora a culpa nos prive de muitas sensações e experiências gratificantes, o mundo seria um caos total sem esse sentimento. Pois as liberdades tolhidas, as restrições e tabus hospedados no nosso superego são perdas necessárias, ou seja, o preço que pagamos pela civilização. A culpa saudável é adequada para vivermos em harmonia com o interno e o externo. Ela é adequada em quantidade e qualidade ao ato. Esta culpa leva ao remorso, mas não ao ódio por si mesmo. Evita a repetição do ato culposo sem isolar um vasto campo de nossas paixões ou prazeres. Precisamos reconhecer nossos atos moralmente errados. E precisamos conhecer e aceitar nossa culpa, mas jamais nos tornarmos prisioneiros dela.

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