segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Porque era ele, porque era eu...


Se insistem para que eu diga por que eu o amava, sinto que isso só pode exprimir-se respondendo: “Porque era ele; porque era eu”. Montaigne
             
            Quem é aquela pessoa que eu amo e considero único e insubstituível? Essa pessoa que nos seduz, isto é, que desperta e atiça nosso desejo nos fará progressivamente nos apegarmos a ela, até incorporá-la e fazer dela uma parte de nós mesmos. Nós a envolvemos com os nossos conteúdos. Segundo J. D. Nasio, nós a envolvemos com uma multidão de imagens superpostas, cada uma delas carregada de amor, de ódio ou de angústia, e a fixamos inconscientemente através de uma multidão de representações simbólicas, cada uma delas ligadas a um aspecto que seu eu nos marcou. Todo esse Universo que criamos faz parte da “fantasia”. Psicanaliticamente essa fantasia é o nome que damos à sutura inconsciente do sujeito com a pessoa eleita. Essa sutura operada no meu inconsciente é uma liga de imagens e significantes vivificada pela força real do desejo que o amado suscita em mim, e que eu suscito nele, e que nos une.
            Nasio diz que, a pessoa deixa de ser uma instância exterior, para viver também no interior de nós, como um objeto fantasiado que recentra nosso desejo, tornando-o insatisfeito no limite do tolerável. O ser que mais amamos continua sendo inevitavelmente o ser que mais nos insatisfaz. A insatisfação do desejo se traduz na realidade cotidiana do casal pela atração pelo outro, mas também pelo descontentamento em relação à ele. Isso porque a fantasia predomina nas nossas relações, todos os nossos comportamentos, a maioria dos nossos julgamentos e o conjunto dos sentimentos que experimentamos em relação ao amado são rigorosamente determinados por ela. Só captamos a realidade do outro através da lente deformante da fantasia. Só o olhamos, sentimos, escutamos ou tocamos envolvido no véu tecido pelas imagens nascidas da fusão complexa entre a sua imagem e a imagem de nós mesmos.
            Essa insatisfação que sentimos é decorrente de um deslocamento do passado para o presente e de objetos antigos para o atual. De alguma forma, o presente está unido ao passado e o parceiro atual representa uma ou mais pessoas importantes dos tempos mais remotos, ainda que tais lembranças tenham sido inteiramente banidas da consciência. Segundo Judith Viorst, nossas primeiras lições de amor e a história do nosso desenvolvimento moldam as expectativas que temos nos nossos relacionamentos. Geralmente, estamos conscientes de esperanças não realizadas, mas levamos também os desejos inconscientes e os sentimentos mal resolvidos da infância, e, orientados pelo nosso passado, fazemos exigências nos nossos relacionamentos sem perceber que estamos fazendo. Qualquer relacionamento significativo, por mais realista que seja, implica essa mistura entre passado e presente, realidade e fantasia.
            E é nos braços do nosso verdadeiro amor que procuramos unir os anseios e objetivos do desejo do passado. Muitas vezes, odiamos nosso companheiro ou companheira por não satisfazer esses desejos antigos e impossíveis. Porém, segundo Freud, nossas motivações inconscientes para as atrações amorosas e sexuais, parte dessa ideia de que repetimos determinados estereótipos, padrões, clichês conforme nossa bagagem de modelos que tivemos na formação infantil.
            Segundo estudos do neurocientista Joseph LeDoux sobre a amígdala - o nosso repositório de memória emocional que examina a experiência, comparando o que acontece com aquilo que se viveu no passado – confirmam o pensamento psicanalítico, na medida em que “as interações dos primeiros anos de vida estabelecem um conjunto de lições elementares, baseadas na sintonia e nas perturbações nos contatos entre criança e os que cuidam dela”. Esses aprendizados estão armazenados na amígdala e do ponto de vista da vida adulta são tão difíceis de entender. Segundo Iara Camaratta Anton, essas memórias, essas “marcas mnêmicas” contêm experiências vitais, anteriores à compreensão e à expressão verbal. São experiências referentes a questões de sobrevivência, a sensações de segurança e prazer. No futuro, ao serem estimulados, esses registros reaparecem acompanhados por intensas cargas de sentimento, plenas de significados muito primitivos e inconscientes. Objetos atuais evocam memórias e disparam sentimento, criando cenários e distribuindo papéis em histórias de amor e paixão. As atrações e os encontros são, portanto, resultado de um jogo de projeções: vemos naquele que nos chama a atenção o que está e nós, o que faz parte de nossa história.
            É preciso saber que quando amamos alguém, amamos um ser híbrido, constituído ao mesmo tempo pela pessoa exterior com que convivemos no exterior e pela sua presença fantasiada e inconscientemente em nós. E reciprocamente, diz Nasio, somos para ele o mesmo ser misto feito de carne e inconsciente, uma parte de nós mesmos, que chamamos de “fantasia inconsciente”. No entanto, essa parte não está confinada no interior da nossa individualidade, ela se estende no espaço intermediário e nos liga intimamente ao seu ser e ele se liga da mesma forma.
Podemos aprender por meio das relações, a nos conhecer mais, a entrar em contato com a nossa sombra, com o nosso passado e fazer do nosso presente com o outro um pouco mais real, dentro das nossas possibilidades e limites. E com o tempo enfrentaremos a certeza daquilo que nunca poderemos esperar um do outro. Podemos, embora com menos frequência, caminhar sob as estrelas e viajar pela lua, curvando-nos aos limites e às fragilidades do amor. E sermos gratos por encontrar no relacionamento amoroso daquele momento um pouco das pessoas amadas do nosso passado; gratidão por receber no relacionamento amoroso daquele momento um pouco do que jamais tivemos no passado e, gratidão pela sensação de ser conhecido e compreendido pela pessoa amada. 

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