segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Relação a dois: a arte de equilibrar amor e ódio



“Nossas expectativas não atendidas pelo outro são perdas necessárias para o amadurecimento como ser humano.” Ana Paula Matos

Às vezes você perdoa as pessoas simplesmente porque você ainda as quer na sua vida. Outras pessoas perdoam, mas não querem a pessoa como parte da sua vida. Muitas vezes é difícil entender como cada um segue a sua vida como se o outro não existisse e nunca tivesse existido. Salvo os casos em que o término foi traumático, onde houve agressões verbais ou físicas, mágoas, etc. Afinal, convivemos com aquela pessoa durante meses, anos, compartilhamos dores, alegrias, vitórias, derrotas, estivemos juntos na saúde e na doença e quando se termina e como se fossem dois estranhos.
O que acontece é que cada parte sai da relação com sua percepção, sua verdade e frustrações, pois criamos expectativas quando nos relacionamos. No seu livro Perdas Necessárias, Judith Viorst diz que Freud, tratando o amor, distingue o amor sensual, que procura a gratificação física, e o amor caracterizado pela ternura. Freud descreve também a superestimação – ou idealização – da pessoa amada. Além disso, Freud nos lembra que nem mesmo o relacionamento amoroso mais profundo pode evitar a ambivalência, e nem o relacionamento mais feliz pode evitar uma certa porção de sentimentos hostis. Depois de um certo tempo de convivência sabemos muito bem como e em que “calos pisar” para ofender o outro. Sabemos também como acalmar, alisar e fazer coisas agradáveis.
A tensão e os conflitos de um relacionamento podem começar com a morte das expectativas românticas. Levamos para nossos relacionamentos uma infinidade de expectativas românticas e visões de míticos êxtases sexuais. Ainda impomos à nossa vida sexual muitas outras expectativas, muitos outros “devia ser assim”, que o ato cotidiano do amor não consegue realizar. Agora, cabe uma reflexão: essas são expectativas que nós temos, então, por que determinamos que o outro deva suprir?
Judith Viorst coloca que nossas primeiras lições de amor e a história do desenvolvimento moldam as expectativas que temos num relacionamento. Geralmente estamos conscientes de esperanças não realizadas. Mas levamos também os desejos inconscientes e os sentimentos mal-resolvidos da infância, e, orientados pelo nosso passado, fazemos exigências no nosso relacionamento sem perceber que estamos fazendo. É por meio do relacionamento que procuramos recuperar os amores dos nossos primeiros desejos, encontrar no presente figuras amadas do passado – figuras paternas ou outras referências importantes na nossa formação. Nos braços do outro procuramos unir os anseios e objetivos do desejo do passado. E, muitas vezes, odiamos o outro por não satisfazer esses desejos antigos e impossíveis. Odiamos porque ele não preencheu nosso vazio, porque ele não entendeu o que eu queria sem precisar dizer, odiamos porque ele não correspondeu aos nossos pedidos de socorro, ao nosso lamento, porque ele não foi uma mãe ou um pai.
Nossos desejos incompatíveis, nossos conflitos, nossos desapontamentos confirmam a existência do ódio na relação. Esse ódio pode ser consciente ou inconsciente. Ele pode ser contínuo tornando-se um martelar de raiva, amargura e dor ou passageiro tornando a relação sólida. O ódio nem sempre precisa ser uma explosão, mas pode ser uma lamúria em silêncio. Como a relação é feita de momentos de amor e ódio é no caminhar e na maneira como lidamos com nossas expectativas e as expectativas do outro que vamos construindo algo ou seguindo em direção ao abismo, ao fim e ao distanciamento para sempre, como se fossem dois estranhos.
No entanto, se no decorrer da relação vamos caminhando para um amadurecimento, enxergando o outro com suas qualidade e defeitos, de uma forma real, trazemos para o relacionamento a capacidade de sentir empatia e carinho, de sentir culpa quando provocamos dor, de sentir vontade de reparar o dano causado e oferecer consolo, acolher. Enquanto o outro simbolizar certos ideais com valores para nós, continuamos a vê-lo como uma pessoa ideal, mas essa idealização convive com o conhecimento real de quem amamos. A tendência é que esse conhecimento nos coloque frente a frente com nossos desapontamentos, nossos sentimentos de amargura, nosso ódio. Mas também abrirá espaço para a gratidão. Segundo Judith Viorst é a gratidão por encontrar no relacionamento amoroso daquele momento um pouco das pessoas amadas do nosso passado, por receber o que jamais tivemos no passado e mais, a gratidão pela sensação de ser (re)conhecido, compreendido pela pessoa amada. E então, estaremos livres da cegueira de nossas expectativas idealizadas, projetadas.
Com o tempo tomamos consciência de que não podemos esperar do outro a “missão impossível” de suprir nossas carências, nosso vazio, do jeito, da forma que queremos, idealizamos. Essas expectativas perdidas são perdas necessárias para o amadurecimento do ser humano. E com o equilíbrio do amor e ódio podemos preservar a conexão do relacionamento “um e outro”, pois a ambivalência sempre existirá – somos dualidade, somos o todo. E assim, podemos sair de um relacionamento com lembranças de bons momentos, com a certeza de que hoje somos melhores do que ontem e com a sensação de ter vivido, crescido com uma pessoa que hoje não é mais nosso amor sensual, mas um amigo que fez e fará parte da nossa vida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário