quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

A verdadeira pergunta é: “quem NÃO sou eu”?



“Em algum lugar de todos nós vive ainda aquele piloto, aquele explorador da África, aquele navegador de mares nunca antes navegados. Em algum lugar dentro de nós vive aquele destemido aventureiro. Em algum lugar dentro de nós, se nos foi permitido executar as explorações do estágio de aprendizado, vive um ser exultante que no passado foi capaz de encontrar maravilhas por toda parte. Hoje está disciplinado e controlado, mas se tiver sorte, uma vez ou outra entrará em contato com aquela auto-embriaguês, com aquela sensação de maravilha. Quando o poeta Walt Whitman ruge: ‘Canto a mim mesmo, e a mim mesmo celebro...Divino sou por dentro e por fora...’, ouvimos o brado bárbaro da criança que começa a aprender, a ser. (...) E enquanto ela anda, corre, sobe, salta, cai e fica de pé outra vez, sente-se tão à vontade neste mundo, tão alegremente confiante, tão indiferente ao perigo, que parece até ter esquecido da mãe.” Judith Viorst – Perdas Necessárias

            Por que optamos sempre pelos caminhos conhecidos ou já percorridos? Por que optamos por manter os mesmos padrões se existem diversas formas de se solucionar um problema?
            O que geralmente acontece é uma repetição dos modelos da nossa formação, normalmente, mas não somente, as figuras paternais. Quando somos pequenos as referências que temos são nossos pais, parentes, professores e nos identificamos com eles. A identificação é um dos processos centrais para a formação do “eu”. Essa identificação pode ser cautelosa, autoritária, amante dos livros, dos esportes, etc, o importante é que nos afirme aquela frase já proferida um dia por quase todas as pessoas: “como minha mãe ou meu pai”. Esse processo de identificação no começo tende a ser global e de abrangência total. Na medida em que vamos crescendo, nos identificamos parcial ou seletivamente. Dizemos “Serei como esta faceta de você, e não como aquela.” Nos tornamos não uma cópia fiel das figuras importantes da nossa vida, mas algo personalizado com um pouco do jeito de ser de cada um, se assim escolhermos, se assim quisermos.
            Segundo Judith Viorst no seu livro Perdas Necessárias, embora nos identifiquemos permanente ou provisoriamente com aqueles que amamos, invejamos, admiramos, podemos também nos identificar com aqueles que provocam nossa zanga ou dos quais temos medo. Tentamos parecer com as pessoas que tememos ou odiamos, na esperança de assim ganhar o mesmo poder e nos defender contra o perigo que representam.
            Através dos anos, enquanto modificamos e harmonizamos essas diferentes identificações – religião, profissão, gênero, qualidades e defeitos, classe social, emoções, comportamentos, habilidades, valores, etc. – possivelmente teremos de nos descartar de outros “eus”. Essa renúncia é uma perda necessária para a construção do seu “eu”. Afinal, entre tantas identificações quem é você? Que comportamentos lhe pertencem? Que caminhos você escolhe seguir por conta e risco?
            Embora, vez ou outra, brincamos com nossa imagem pública, e hoje as redes sociais são mais uma ferramenta para suprir nossa fantasia – fantasia necessária se for utilizada de uma forma saudável – queremos impressionar, agradar, apaziguar, conquistar. E, com certeza, não raras vezes, usamos certa dose de engano, dando a nós mesmos um “curtir”, para aquilo que um observador justo não daria.
            O importante é manter uma conexão razoável entre o “eu” que somos e o “eu” que mostramos.  Pois quando essa conexão se desfaz, podemos, quem sabe, descobrir que o “eu” antes apresentado ao mundo era um falso eu e é aí que, de repente, você se dá conta que vive em Neverland ou qualquer “land” que não é você. O que acontece é que muitas vezes assumimos uma imagem para não assumir de fato quem somos, com receio da dor que podemos sentir ao ter que deixar de lado um mundo idealizado.
            Quando assumimos nosso “eu” temos de renunciar a feliz ilusão de estarmos intocavelmente seguros e abrir mão das simplicidades reconfortantes de um universo protetor. Assumindo nosso “eu” entramos, a princípio, num mundo de solidão, impotência e ambivalência. Porém, conscientes do nosso terror e da nossa glória podemos dizer, sem ilusões e assumindo nossas escolhas, que “este sou eu”. Nos entregamos ao nosso desejo mais profundo de ser e estar sendo o capitão do nosso destino.

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