segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Problemas da educação brasileira: filosofia como solução?


*Esse meu artigo foi referência para as outras turmas de Filosofia. 


Que cada ser humano – criança, adulto, aprendiz,
ensinante – possa “chegar a ser o que se é”. 
NIETZSCHE

No artigo de Agnaldo Kupper sobre a Educação brasileira: reflexões e perspectivas, ele coloca alguns dados importantes para entendermos o cenário da educação no Brasil. Diz que:
Em outubro de 2003, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística anunciou dados que permitem projetar conclusões a respeito do século 20. No que tange à educação, tais levantamentos nos trazem números assustadores: a taxa de matriculados até o ensino médio passa de 21%, em 1940, para 86%, em 1998. Como se percebe, em 1940, a escola era para poucos. A principal característica da educação brasileira no século 20 foi a massificação do acesso ao ensino fundamental e médio, em que pesem a manutenção da seletividade e não levando em consideração a qualidade educacional, em especial, a perda de nível no ensino público. De 1940 para 1960, a proporção de alunos matriculados no ensino fundamental saltou de 21 para 31%. Foi só a partir da década de 60 que as matrículas cresceram em um ritmo maior do que o aumento da população em idade escolar. A proporção chegou a 58% em 1978 e a 86% em 1998. O resultado: reduziu-se a taxa de analfabetismo, apesar da manutenção de um alto índice nos dias atuais, com destaque para os analfabetos funcionais. De qualquer forma, cremos que a democratização do ensino fundamental e médio só ocorrerá quando houver melhora da qualidade. A disseminação falseia a verdade educacional, ou seja, a massificação do ensino vem acompanhada pela perda de virtude.
O trabalho do pesquisador espanhol José Manuel Esteve, O mal-estar docente: a sala de aula e a saúde dos professores, relata um dos problemas da educação brasileira que é o esgotamento emocional dos docentes e caracteriza esse mal-estar como falta de adaptabilidade do professor às mudanças que caracterizam a pós-modernidade. Esteve passa a analisar as causas desse mal-estar, apontando a renúncia à educação por parte de outras instituições, como denominou Louis Althusser – aparelhos ideológicos do Estado (AIE), que são eles: a família, a religião, a política, a cultura, a televisão, a imprensa, e a Escola. Os aparelhos ideológicos do Estado (AIE) são, portanto, instrumentos de reprodução das relações sociais de produção, por meio da transmissão da ideologia da classe dominante. Para Althusser a escola é o principal aparelho ideológico capitalista, pois ela se encarrega de todas as classes sociais desde o maternal até sua juventude. O que acontece é que a educação brasileira só visa reforçar a reprodução da sociedade burguesa. Segundo Bourdieu o papel da escola é o de exibir a cultura burguesa para um número cada vez maior de membros das classes inferiores como se fosse verdade absoluta e única, contraditoriamente se demonstra que ela não lhes pertence, que a ela não terão acesso. Ao entrar na escola, os filhos das famílias abastadas e os filhos das famílias de trabalhadores são distintos por um processo que integra os primeiros e desloca os segundos. Segundo Cesar Mangolim de Barros, os filhos das famílias abastadas teriam no período ainda anterior à escolarização formal, acesso a uma quantidade de informações obtidas por meio de viagens, do acesso a eventos culturais, do próprio meio no qual nasceram e pelas pessoas com as quais convivem. Bourdieu, chama esses conhecimentos prévios, que continuam durante a vida escolar, de capital cultural, ou seja, um investimento que torna a vida destes estudantes mais “tranqüila” dentro do aparelho escolar e lhes permite uma longa trajetória educacional. Como diz Barros, a escola cumpre a tarefa de dissimular as desigualdades sociais por meio de uma série de violências simbólicas, cujo núcleo principal está na teoria do capital cultural. A pergunta que faço é: qual a solução para um problema tão enraizado? Será a filosofia uma saída para a resolução destes problemas?

A filosofia como meio de se fazer educação?

            Embora a filosofia possa nos fazer repensar, questionar e rever conceitos, não podemos esquecer que vivemos num mundo capitalista e que deve ser levado em conta para a reestruturação do sistema educacional. Vejamos, por exemplo, uma das exigências que o Banco Mundial fez, no final da década de 1990, para que o Brasil recebesse mais empréstimos: a imposição do que se chamou de “promoção automática”, e em seguida chamada de “progressão continuada” na educação, como forma de diminuir os custos do Estado neste setor. Esse fato trouxe para o sistema educacional público um problema muito grave, o qual o ensino particular já enfrentava na sua expansão - que era do custo prolongado da educação dos seus filhos por um ano ou mais do que o padrão. Ou seja, quando os pais percebem que seu filho não irão passar de ano, retiram a criança da escola e passam para outra, ou pressionam o professor. As escolas que não podem nem perder seus alunos e nem admitir a ideia de que o ensino público pode ser mais exigente do que o ensino particular seguem o argumento de que o aluno não pode ser reprovado, ou seja, ao lado de um argumento pedagógico existe um argumento econômico.
            Toda essa indignação causada pelos índices de reprovação reforçava a ideia de que a progressão continuada consistiria na única solução para o problema, o que gerou, na época, um alarde no meio docente. Os professores se sentiram diminuídos em sua autoridade, com medo de não serem capazes de garantir de antemão, e de qualquer maneira, a aprendizagem de todos os alunos. Tudo isso apontava para a dificuldade que os professores anteviam que era a de que deveriam oferecer aos alunos um sentido novo para seus estudos, que não fosse somente o antigo desejo de tirar nota, de ser aprovado e passar de ano.
            Hoje, ouvimos repetidamente o discurso de que o programa de progressão continuada falhou e teve como conseqüência o fato de que as crianças permanecem na escola sem aprender quase nada. Isso se constata nos resultados de avaliações como, por exemplo, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) onde esses indicadores mostram a baixa qualidade do ensino em nosso país. Incriminam-se professores pelo desempenho do aluno, devido a sua má formação no ensino superior. Ensino superior, que por sua vez, foi privatizado, mediante uma política levada a cabo por sucessivos governos nos últimos anos. Só que não podemos esquecer que o baixo nível de formação dos professores, também se deve ao fato de que eles não tiveram acesso a outras alternativas por conta da política do próprio Estado. Afinal, os baixos salários não podem nem proporcionar que o próprio professor busque nas salas de aula novos conhecimentos ou atualizações dos conhecimentos adquiridos.
            O que fica para as crianças e para os jovens é a ideia deturpada de escola, difundida principalmente entre setores mais pobres da população, de que a escola é um ritual vazio, um tempo morto, em que basta permanecer na sala de aula pelo tempo requerido, para que no final se ganhe um certificado. O aluno percebe a principal mensagem que lhes é transmitida: na escola particular, o esforço da escola em agradar o consumidor, na escola pública, o desprezo embutido na condescendência excessiva. O aluno entende que a escola não sustenta exigências, que não aposta, de verdade, em sua transformação (SOUZA, 2009).
Recentemente, a filosofia tornou-se uma disciplina obrigatória para todo o ensino médio do país e isso gerou diversas opiniões, desde que não existem professores bem preparados até a falta de capacidade dos alunos em aprender. De fato, esses argumentos seriam válidos e inclusive com mais ênfase para a educação infantil e fundamental, em que a formação filosófica dos professores é inexistente ou muito tênue; e as últimas avaliações mostram déficits em quesitos básicos como matemática ou português, que podem se considerar basais para poder filosofar. Em parte temos que levar em conta esses argumentos, até mesmo como sendo parcialmente verdadeiros. Mas, a proposta não é de que a disciplina filosofia venha resolver, num passe de mágica, todos os problemas existentes na educação brasileira, que são graves e não são de hoje. Devemos ter cuidado com a atribuição que damos a filosofia, do que ela pode efetivamente fazer e de seus limites na instituição escolar.
            Quando se diz que os alunos não serão capazes de aprender filosofia porque não são capazes de ler, seria também possível dizer que eles não seriam capazes de aprender história, geografia, biologia, e qualquer outro saber que exija a leitura. A filosofia estaria nos textos, nos livros dos filósofos; ensinar filosofia seria passar esses conteúdos, aprendê-la seria incorporá-los. Aprender filosofia significaria, então, incorporar algo que está fora do aluno e ensinar filosofia seria ajudar o aluno a internalizar esse fora. Se trata de uma série de habilidades ou competências que antes o aluno não sabia fazer e agora será capaz de praticar, como por exemplo, a capacidade de fazer analogias, de estabelecer comparações, capacidade de fazer sínteses, ler compreensivamente um texto, e outras habilidades e competências que a filosofia permite desenvolver.
            No entanto, não podemos esquecer que a filosofia não é algo tão simples e, conseqüentemente também não o é seu ensino e aprendizagem. A filosofia é uma forma afetiva de se relacionar com o saber desde a lógica da amizade, do amor, etc. e nenhum catálogo de habilidades de pensamento pode alcançar essa forma de relação, pois vem de dentro, é despertado pelo o amor a, pela paixão a, assim como os filósofos demonstravam. É importante entender a finalidade do filosofar que é tentar provocar, manter ou re-criar essa forma de afeto com o saber, ou seja, tentar contribuir para que por meio da educação possa se pensar sobre as coisas que escutamos e que tentam nos ensinar, que possamos questioná-las e, mais que nos permita pensar desde si, de outra maneira, problematizar por que pensamos o que pensamos, por que sabemos o que sabemos, e o que fizemos com esse saber, por que vivemos da maneira que vivemos, por que somos quem somos e se somos quem podemos ser.
            A filosofia não ensina a pensar e também não ensina a ser ético ou qualquer outra coisa a não ser um espaço onde cada um possa aprender a ser quem é. Portanto, a filosofia não se ensina, mas se aprende. Assim sendo, não é possível garantir que a filosofia possa ser ensinada e muito menos que possa sê-lo numa instituição como a escola no formato atual, onde a maioria dos que a freqüentam devem fazê-lo, mas não encontram muito sentido nela. Não é certo que ela possa ser aprendida porque não há como garantir algo da ordem do afeto, de uma relação afetiva com o pensamento, num contexto em que o pensar não é estimulado nem valorizado (KOHAN, pg. 62).
                   
Conclusão

A filosofia como sabemos, também tem a ver com certo estado de surpresa, de espanto, de sensibilidade de, algo assim como atrever-se a olhar as coisas do mundo como se fosse a primeira vez. A filosofia é bastante acessível quando o espírito está aberto a pensar. A escola tem se constituído supondo a incapacidade do outro. Os resultados até agora não mostram nada de que a escola possa se alegrar. Talvez seja a hora de mudar e começar a acreditar na capacidade do outro, a nos abrirmos para o encontro conosco mesmo.
Que a escola seja um meio para que cada indivíduo possa tornar-se o que é, como disse Nietzsche, a partir dos afetos com o saber e do pensamento que a filosofia gera. Portanto, a filosofia pode ser um caminho para os problemas na educação brasileira, a partir do momento que entendermos que ela só pode ser aprendida desde a interioridade de cada um, na relação afetiva com o pensamento e os saberes, por meio do professor que deve ter claro que ele apenas pode sugerir, insinuar, mas de maneira alguma forçar ou determinar formas de pensar, ou melhor de filosofar.
Somos condenados a liberdade, como nos disse Sartre, e que a educação incorpore isso para que o ambiente escolar seja um lugar onde rabiscamos nossos projetos de ser, e que proporcione meios para que se possa pensar na pluralidade da nossa existência.

Referências Bibliográficas
BARROS, Cesar Mangolin. Ideologia, política e educação. Guia de Estudos, Ed. Do autor, p. 48-55, São Paulo, 2010
DOURADO, Wesley Adriano Martins. Dois ensaios sobre a filosofia da educação: o existencialismo e a não-referência. Guia de Estudos, Ed. Do autor, p. 58-66, São Paulo, 2010
KOHAN, Walter Omar. A educação de crianças pelo olhar da filosofia. Educação e Psicologia, São Paulo, n.2, p. 54-63, 2009.
KUPPER, Agnaldo, Artigo Educação brasileira: reflexões e perspectivas. Terra e cultura, Ano XX, nº 39, p. 50-60.
SOUZA, Márcia Cecília Cortez Christiano. Professores deprimidos podem formar sujeitos?.Educação e Psicologia, São Paulo, n.2, p. 64-73, 2009.

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