segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Afinal, quem somos nós?


Ainda na sociedade de hoje uma questão que nos acompanha desde 530 a.C com Parmênides é a que gera a corrosiva angústia do ser ou não ser e suscita o questionamento fundamental: afinal quem somos nós?
No fim do século XIX o existencialismo tenta responder essa questão, quando grande parte do pensamento intelectual estava ruindo. Muita gente pensou que os seres humanos estivessem prestes a adquirir todo conhecimento, predominando a idéia de que restavam apenas alguns problemas de física e matemática e que, uma vez resolvidos, nosso conhecimento do mundo teórico e natural estaria completo.
Evidentemente, logo que pareceu que estávamos nos aproximando das respostas surgiram novas questões irrespondíveis: (i) A teoria da relatividade de Einstein nos mostrou que a extensão, massa e tempo não eram absolutos, mas sim que as coisas são medidas em relação às outras coisas – somente a velocidade da luz parece invariável; (ii) A teoria quântica (e o princípio da incerteza de Heisenberg) demonstrou que, apesar do equipamento sofisticado, o material da natureza submicroscópica contém pares de coisas que não podemos medir com precisão em um determinado momento; (iii) O teorema da não-completude de Gödels demonstrou que há teoremas que nunca seremos capazes de confirmar ou refutar – por conseguinte, algumas questões em matemática nunca serão respondidas.
Com essa perda súbita do absoluto – isto é, ao sermos condenados ao conhecimento imperfeito em lógica, matemática e física -, nos deparamos com lacunas de conhecimento ainda maiores nas esferas biológica, psicológica e social, não podíamos mais recorrer à soma total de conhecimento para nos tornarmos mais sábios, logo, o progresso científico e tecnológico teve de ser moderado pelos novos insights filosóficos.
Os existencialistas intervieram direto nessa lacuna. Rejeitaram o essencialismo platônico (e a idéia do conhecimento perfeito) que havia dominado a filosofia até então. Acreditavam que não existia nenhuma essência inicial, somente o ser.
Pensar em um universo imprevisível e indiferente leva muitos ao desespero. É uma visão de mundo alienada, isolada e sem atrativos à primeira vista, onde o sentimento por trás disso tudo é: “Por que então se levantar de manhã.” Soren Kierkegaard – geralmente considerado o primeiro existencialista, apesar de sua inclinação cristã, em nítido contraste com o ateísmo da maioria dos existencialistas – chamou de “pavor” a reação que se tem ao encarar essa visão de nossa vida.
Esta visão Sartre chamou de “náusea”: Tudo é gratuito, este jardim, esta cidade, eu mesmo. Quando você de repente percebe isso, sente-se enjoado e tudo como a ser carregado pelo ar... é a náusea.
Na verdade, alguns consideram o existencialismo mais uma disposição do que uma filosofia, e alguns de seus textos principais são de fato romances (sobretudo os escritos por Sartre e Camus) e não tratados filosóficos.
Mas o ponto fundamental muitas vezes é negligenciado: os existencialistas estavam empenhados em uma busca moral para fazer a coisa certa na ausência de uma idéia essencial de bondade e privados da autoridade divina. Argumentavam que devíamos fazer a coisa certa mesmo quando não há razão para isso, e que coragem e integridade verdadeira significavam fazer a coisa certa para o seu próprio bem. É uma lufada de ar fresco: fazer a coisa certa não por temer o castigo, ou desejar honrarias, ou achar vantajoso, ou pelo desejo de evitar pecar – mas simplesmente porque é a coisa certa a fazer. As más ações, então, acontecem simplesmente porque acontecem, não necessariamente como uma espécie de punição, libertando-nos da culpa. Precisamos continuar reconhecendo o certo e o errado; de fato, temos mais razões do que nunca para descobrir a maneira ética. Esse é o núcleo de esperança e bondade no cerne do existencialismo, quase sempre tão encoberto na retórica depressiva que é fácil lhe fazer vista grossa. Os existencialistas redescobriram, de fato, a moralidade.
Kierkegaard percebeu a dificuldade em encarar a existência pura – sem essência, sem mistério, sem nada intangível, sem significado, sem propósito, sem valor. Um abismo assoma onde esperança, progresso e ideais parecem ilusões. As convicções religiosas podem ser muito confortantes, sejam verdadeiras ou não, e quando o existencialismo, ou qualquer outra coisa, as elimina.Isso pode provocar ansiedade.
Jean Paul Sartre explorou outra extensão lógica do existencialismo: se o universo não é determinado, somos completamente livres para escolher nosso próprio rumo. Embora a possibilidade permanente – com a responsabilidade da ação caindo sempre sobre o indivíduo – possa parecer uma proposta desanimadora, também é liberadora. Independentemente de nossa experiência passada, nós controlamos o rumo do nosso futuro. Sartre denominou “má-fé” qualquer tentativa de negar que somos responsáveis por nossas ações, e viu a religião, ou a fé religiosa, como um dos principais culpados. Fundamenta-se então a tese emblemática do existencialismo, “a existência precede a essência”, quer dizer exatamente que a realidade humana não é determinada por qualquer fato extrínseco a ela mesma, que somos livres e os únicos responsáveis por nossas escolhas. Mas, para Sartre, não basta apenas dizer que o sujeito é livre; devemos dizer que a subjetividade é liberdade, com isso fica mais claro o que se deve entender por processo de existir: com efeito, não sendo o sujeito uma coisa ou uma forma, ele está continuamente em vias de se constituir, e o faz com liberdade, isto é, sem nada que determine esse processo pelo qual se constitui a si mesmo. O sujeito nunca é (uma coisa ou algo já constituído essencialmente), mas a cada momento vem-a-ser aquilo que ele se torna, na dinâmica de uma trajetória que nunca há de atingir seu ponto final. É esse caráter processual da subjetividade que nos ajuda a entender outras noções que decorrem da liberdade radical: a escolha, que está sempre presente em todos os momentos desse fazer-se contínuo do sujeito, já que se trata de um processo livre, e o projeto, a maneira pela qual cada sujeito, não estando nunca consolidado em seu ser, se projeta adiante de si por via de suas escolhas, na intenção de constituir-se como tal.
Sabendo que a liberdade é originária e radical, essas escolhas e essa sucessão de projetos, não poderiam ocorrer por via de critérios previamente estabelecidos, ao qual o sujeito recorreria para optar e projetar-se. A indeterminação da subjetividade faz com que o sujeito, a cada escolha, a cada projeto, invente também o critério da opção que pretende seguir. O sujeito por ser livre, está só e desamparado, por isso há uma relação tão íntima entre liberdade e angústia. Ao chamar a angústia existencial de náusea, Sartre também ligou, em certo nível, a mente ao corpo, reconhecendo que os efeitos desorientadores do existencialismo podem ser fisicamente desconfortáveis e que podem gerar uma atitude de má-fé, colocando no externo a responsabilidade por quem somos.
Segundo Jean Paul Sartre (1), somos responsáveis por nossas escolhas e estas determinam nossa existência. Assim sendo, assumimos ser quem queremos ser ou escolhemos seguir os caminhos pré-estabelecidos que nos foram impostos pela sociedade e pela cultura? e/ou fazemos escolhas fundamentadas no nosso querer ou baseadas no que recebemos do meio em que vivemos, respectivamente?
Sartre afirma que “o homem é angústia”(2) em razão da responsabilidade por suas escolhas. Tais escolhas afetam não só o indivíduo, mas também a humanidade inteira. Ainda que possa ser disfarçada por outros modos de ver, acreditando-se que “ao agirem só se implicam nisso a si próprias”(3) , a angústia se manifesta, não sendo possível fugir-se dela a não ser por uma atitude de má-fé, ou seja, escapando da angústia provocada pela liberdade de escolha, fugindo à responsabilidade de assumir a sua própria escolha, deixa que o Outro decida por ele. E a má-fé tem suas conseqüências.
Nossa maior angústia é a de saber que somos nós que escolhemos o nosso destino, que tudo está em nossas mãos. A angústia é gerada por não sabermos aonde nossas escolhas estão nos levando. Se nós estamos correspondendo ao que se espera de nós. Se nós estamos caminhando contra ou a favor do que queremos ser. Será que estamos? Afinal, quem somos nós hoje? 
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(1) Jean Paul Sartre, filósofo francês, escritor e crítico. Conhecido representante do existencialismo. Viveu entre 1905 a 1980.
(2) SARTRE, Jean-Paul. O Existencialismo é um Humanismo in Os Pensadores. p.13.
(3)Ibidem,p.13

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